26/11/2008

.
pintei-me de cores esbatidas pelo fogo
.
e lavei os olhos nas cinzas mornas e vivas
.
queimei as páginas da história que nunca aconteceu
.
soltei estrelas, suspiros e palavras
.
que flutuaram no olhar esquecido
.
de uma tarde apagada


.

Irene Ermida



24/11/2008

.
atirei-me para um canto
.


vazia de sentidos e de dores
.


olhei-me com olhos de mares e de montanhas
.


sem riscos delineados por sombras imutáveis
.


ali, no meio de um querer sem porvir
.


rasgada por raios de vento e de silêncio
.


permaneci inerte na neve de branca calma
.

e vivi uma única vez
.
Irene Ermida



22/11/2008

Dores e outras coisas de momento

...
De há uns tempos para cá, estou a ficar preocupada comigo, o que acontece muito raramente. Quando aparece uma dor, espero que passe. Mas esta dura há quinze dias... e não há meio de passar! É intermitente, é certo, e geralmente aparece ao fim da tarde. Deduzo que seja stress (este palavrão que dá com tudo!). Reuniões até às tantas e quase diárias, imprevistos atrás de imprevistos que exigem resposta pronta, a rotina de problemas... Um infindável colar de contas (ou de contos?)...

Ontem, quando cheguei a casa, decidi enfiar-me numa banheira de água quente para descontrair. Adormeci e só acordei com a água fria!

Hoje fui para uma esplanada à beira-mar, sob um sol resplandecente, com boa música de fundo e dediquei-me à leitura de Mr. Vertigo, de P. Auster. Perdi a noção do tempo, até ter dado conta do zumzum que estava à minha volta. Incomodada, decidi ir ao cinema, onde me esperava uma fila enorme de pessoas que ao fim-de-semana se recolhem no shopping para esmagar o tempo.

Saí com a tal dor de cabeça e vim para casa.

E, de caminho, embrenhada nos meus pensamentos, comecei a acordar: há qualquer coisa que não está bem comigo! Ou seja, tomei consciência de que não suporto espaços com gente... pessoas... seres humanos... E isto, sinceramente, preocupa-me. Gostar de estar sozinha, evitar espaços contaminados de vozes, de risos, de movimento... Não é normal ou, pelo menos, não era até agora!
Quando é que sabemos que sofremos de misantropia?!
...
Irene Ermida



17/11/2008

Pérola(s)

Foto: Barbara Angel http://olhares.aeiou.pt/

um corpo estranho

invade o ser que sou

sem o ser

as pérolas deslizam
.
como grãos de areia
.
pela extensa silhueta
.
em reflexos azuis e sem cor
.
sem sabor
.
pérolas que caem
.
como gotas de água
.
pela face pálida e serena
.
sem contornos
Irene Ermida



16/11/2008

(de)gelo



Foto: JM Monteiro http://olhares.aeiou.pt/




toco o gelo e a neve


fundidas nas tuas mãos


entrelaçadas nas minhas




um degelo chamado eu


por um tu chamado nós


acesos num lume


que queima as asas


de um querer


com voz


Irene Ermida






Desabafar é bom... ou excelente?!


Já há uns tempos atrás tive oportunidade de me referir à minha professora primária.
E hoje, mais uma vez, quero, necessito, mais do que nunca, lembrar-me dela!
O seu estatuto impunha respeito, admiração e o seu empenho e dedicação incentivava os melhores e não deixava para trás os mais fracos. Uma professora que ensinava, corrigia, educava… tratava-nos como alunos e como filhos, víamos nela a figura de mãe, de conselheira, de lutadora: era a senhora professora. Aprendíamos, porque ela nos ensinava, porque sabia exactamente qual a sua missão! Uma EXCELENTE professora!
Nós, crianças, sentíamo-nos gratas! E, pelo seu aniversário, oferecíamos-lhe um ramo de flores em sinal do nosso reconhecimento, que amaciava a sua aparência austera e deixava ver aos mais atentos, as lágrimas que ficavam a brilhar nos seus olhos.
Ao longo da nossa vida de estudantes privámos com EXCELENTES professores, que fizeram a diferença e se perpetuaram na nossa memória como exemplo a seguir. Dos fracos? Não reza a história! Caem no mais profundo esquecimento!
A todos os EXCELENTES professores que, diariamente, se empenharam ao longo de décadas (e aos que se empenham) na sua tarefa de ensinar pelo simples prazer de ver os seus alunos aprender, sem esperar louvores, nem menções honrosas, nem prémios, conscientes de que a sua acção ultrapassa qualquer rótulo, que o contributo que prestam para melhorar a «educação» dos homens e mulheres que um dia serão profissionais dos mais diversos sectores (mecânicos, cozinheiros, jornalistas, médicos, engenheiros, motoristas, ministros…), e que sempre foram alvo da indiferença total por parte da sociedade que deixou de lhes reconhecer competência, autoridade, dignidade; votados a um esquecimento displicente durante anos e anos, a quem, mais do que qualquer formalidade de avaliação, interessa o juízo que os seus alunos formam deles no quotidiano das suas aulas e fora delas…
A todos os EXCELENTES professores que foram avaliados com uma menção de SATISFAZ (importaria saber quantos requereram a menção de BOM no anterior sistema de avaliação!) e se contentaram com ela, porque o mais importante era a sua rotina escolar centralizada na aprendizagem dos alunos, porque esse sim, era o sentido do seu trabalho…
A todos os EXCELENTES professores que deram o seu contributo para que os seus(suas) alunos(as), passados uns anos, soubessem escrever, ler, criticar, formar opiniões, argumentar, fundamentar, mesmo contra eles…
A esses EXCELENTES professores anónimos para quem as quotas nunca serão suficientes nem os afectará na sua integridade, presto a minha homenagem porque souberam (sabem) enriquecer o país de ideias e de atitudes!
Expresso, por último, à minha professora primária um agradecimento especial por me ter ensinado que a pronúncia do “x” pode ser diferente consoante a palavra, e que o significado da palavra EXCELENTE não se limita a um mero quantitativo numérico, mas antes corresponde a um conteúdo e a uma essência incompreensíveis a quem não guarda memória dos seus professores.
Afinal, não é mais importante ser um BOM EXCELENTE do que um EXCELENTE de 10 valores?!

Irene Ermida



10/11/2008

Cinema sem pipocas

“Shine a Light”

À última da hora venci a inércia da segunda-feira e lá fui ao «Cinema sem Pipocas». Um documentário arrepiante
de Martin Scorsese com a banda dos Rolling Stones, filmado em 2006, no Beacon Theater, Nova Iorque.
Não fosse a má qualidade do som da sala, e ter-me-ia julgado em pleno espectáculo ao vivo!
A força das imagens traduz a energia contagiante de Mick Jagger e a marotice de Keith Richards.
Momento alto do concerto: o dueto com M. Jagger e Buddy Guy.
Momento de reflexão do filme: resposta de M. Jagger a um jornalista durante uma entrevista há cerca de 30-40 anos atrás que pretendia saber se o cantor se imaginava aos 60 anos a fazer o mesmo - Claro, na boa!
Uma lição para os mortos-vivos do planeta! Deste, entenda-se!

(des)enlace

...
D E S E N L A C E evidente à luz do dia
...
espelhado na transparência das águas
...
e LIVRE é o que sempre foi
...
D E S A C O R R E N T A D O
...
E
...
I N T E N S O
...
Irene Ermida



enlace



...
E N L A C E oculto que transgride todas as regras
...
desagrega o U N I V E R S O dos sentidos insiginificantes
...
D E S M I S T I F I C A D O S
...
E
...
P E R M I T I D O S
...
Irene Ermida



01/11/2008

Destruir depois de ler



Diria uma paródia da sociedade actual (americana e não só) que oscila entre a ironia e o absurdo quer das relações interpessoais, despojadas de sentimento e fruto de meras circunstâncias, quer da paranóia criada por temores infundados de qualquer potencial trama de espionagem, culminando com o objectivo alcançado por Frances McDormand, na personagem de uma empregada de um ginásio que sonha recuperar a silhueta esbelta de há vinte anos atrás, através de cirurgia plástica.
A sequência de situações, que parecem deslizar entre si e precipitam os acontecimentos, impregnadas de um humor subtil ou de um cómico evidente, permanecem na retina por algum tempo e fazem uma viagem no cérebro proporcionando perspectivas diferentes sobre a banalidade de uma rotina interiorizada.
Sem termos de comparação com outros filmes realizados pelos irmãos Coen, este, provocou-me o riso, o sorriso e a boa disposição, mas também apreensão, pois, na sala de cinema cheia havia meia dúzia de pessoas com estes sintomas! Ora, das duas uma: ou ando a exagerar no riso, ou os outros andam deprimidos!