22/05/2008

Reflexões impróprias...



No poema de Cesário Verde - Avé-Marias - há uma frase que sempre me fascinou (...) Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O paradoxo introduzido pelo adjectivo «absurdo» exprime a inutilidade do «desejo» e confere-lhe uma ininteligibilidade na visão do próprio sujeito. Sendo o «desejo» uma vontade própria com vista à satisfação, torna-se incompreensível que se deseje «sofrer»; daí a existência imprescindível do «absurdo» que traduz o estado de espírito de alguém que, racionalmente, reconhece que é em vão sentir esse desejo mas que, irracionalmente, não é capaz de o evitar.

Num ou noutro momento da nossa vida, sentimos essa necessidade incompreensível e inútil de «sofrer».

Encontramos refúgio no autismo e na dissolução de laços afectivos e queremos romper toda e qualquer ligação com o mundo exterior, convencidos de que aí estará a solução dos nossos problemas. Sendo uma fase que nos permite «crescer» interiormente, se tivermos a experiência de vida e a sabedoria de nos recolocar no caminho certo, com ou sem ajuda de outrém, acordaremos um dia e veremos que a realidade, apesar de permanecer inalterada, é aquela que realmente desejamos e temos de enfrentar.
Quantas vezes nos deixamos abater pelas circunstâncias que nos parecem catastróficas e das quais achamos que não conseguimos sair?
Relativizar os problemas e criar prioridades, bem como distinguir o essencial do acessório, serão, provavelmente, os mecanismos ao nosso alcance que nos desvendam os mistérios da nossa existência.
Quando nos orientamos pela ambição de tudo querer num dado momento, aumentamos, na mesma proporção, o risco de tudo perder. Encontrar o equilíbrio e a estabilidade emocional pode resultar de um longo, mas necessário, sofrimento interior, pois, só assim se aprende a dar valor às pessoas ou às oportunidades que surgem na nossa vida.



Irene Ermida

8 comentários:

Maria Manuel disse...

Impróprias talvez... Mas próprias (sem contradição) e lógicas e bem pensadas...

(E ainda que mal pergunte: afinal os parafusos eram para quê...?!! Estás é a precisar de dispensar alguns! Penso eu de que, na minha...)

mundo azul disse...

Concordo com você...Geralmente, apenas após profundo sofrimento, o ser humano toma consciência de algumas coisas que estavam adormecidas... Quando aceitamos que o sofrer faz parte do nosso crescimento, então começamos a crescer... Beijos de carinho e muita luz, para você!!!

Anónimo disse...

e quantas vezes mudamos o rumo para ir dar ao mesmo! nem sempre a lucidez ajuda a ver que aquela oportunidade ou pessoa é única na nossa vida!
um texto interessante, sem dúvida!

João Videira Santos disse...

"...Encontrar o equilíbrio e a estabilidade emocional pode resultar de um longo, mas necessário, sofrimento interior..." - mais do que uma reflexão, a certeza dessa necessidade. Gostei.

Irene Ermida disse...

maria manuel

o teu parêntesis deixou-me a pensar... e, vendo bem as coisas, preciso mesmo é de perder mais alguns! É que a lógica em algumas circunstâncias não serve para nada. :))
bom fim-de-semana.


mundo azul
e esse crescimento não pode ficar pela simples aceitação dos problemas; isso pode levar-nos à auto-vitimização(?); é necessário não nos conformarmos e tranquilamente encontrar saídas (acho eu...)
obrigada pela visita.



berlinde
e esse círculo não dependerá da vontade de cada um? Permanecer nele ou transformá-la num segmento onde todas as formas geométricas são possíveis? (pergunto eu a mim mesma...)




joão videira santos
de facto, se não estivermos bem connosco próprios e fizermos depender o nosso equilíbrio e estabilidade emocional dos outros, continuaremos a ser eternos deambulantes, perdidos em busca de um milagre.
bom fim-de-semana

Anónimo disse...

Boa reflexão. Sentir prazer na dor? mas não é isso o masoquismo?
"Relativizar os problemas e criar prioridades, bem como distinguir o essencial do acessório...", bom conselho para Sócrates.

Irene Ermida disse...

anónimo
é isso mesmo...
deduzo que o Sócrates não leia este blog. :))

APC disse...

Absurdo, porque nada lógico e todo emocional...