«Na manhã seguinte, está sentado à secretária manca com uma caneta na mão, examina um poema recente e sente-se cada vez mais desencantado com o que escreveu, pergunta-se o que será melhor: seguir em frente com o poema, arrumar o manuscrito para posterior reflexão, ou muito simplesmente atirá-lo para o cesto do lixo. Ergue a cabeça paea espreitar pela janela: cinzento e nublado, uma montanha de nuvens avoluma-se a oeste, mais uma mudança no sempre mutável céu de Paris. Agrada-lhe a obscuridade que inunda o quarto - uma obscuridade reconfortante, por assim dizer, uma obscuridade amistosa, uma obscuridade com que uma pessoa poderia conversar horas a fio.»
Um livro inquietante e imprevisível ao estilo de Paul Auster. Mas este «Invisível» ultrapassa as expectativas a que já nos habituou. Uma história caleidoscópica que prende o leitor aos pormenores e a uma escrita que viaja no tempo e espaço.
« - Quando alguém procura - respondeu Siddhartha - pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele a encontre, porque ele pensa sempre apenas naquilo que procura, porque ele tem um objectivo, porque está possuído por esse objectivo. Procurar significa ter um objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos.(...)»
Uma viagem pela espiritualidade do ser humano que nos recolhe em nós próprios, por sensações esquecidas e nos revela o fluir da vida.
Um livro que não pode ser lido e arrumado na prateleira!
«Ele era um homem de fé. A fé elevava-o, proporcionava-lhe altura, transportava-o para fora do tempo. E justamente no momento em que, com mais fervor, pedia ajuda, os seus olhos cruzaram-se com os de Malinalli e uma faísca maternal uniu-os num mesmo desejo.Malinalli sentiu que aquele homem a podia proteger; Cortés, que aquela mulher o podia ajudar como só uma mãe o conseguia fazer: incondicionalmente.»
Uma história de amor entre Hernán Cortés, um dos mais importantes conquistadores espanhóis e a índia Malinalli, sua intérprete, atenua, por um lado, os acontecimentos cruéis ligados à conquista do México e, por outro, realça a riqueza da cultura indígena.
Uma leitura que nos leva a pensar na imperfeição do Homem, que tanto é capaz de crueldades extremas, como de infinita benevolência.
«Doeram-me as palavras dele como se a vida estivesse espetada no meu corpo e, para crescer, eu tivesse que desencravar essa farpa.»
«Em Jesusalém, o que mais me impressionou, desde logo, foi a ausência de electricidade. Nunca antes tinha sentido a noite, nunca tinha sido abraçada pelo escuro, abraçada por dentro até eu mesma ser escuro.»
«Regressados à cozinha, um impulso me atirou de encontro ao peito do meu irmão. abracei-o, por fim. E o abraço durou todo o tempo da sua ausência.»
A magia da escrita de Mia Couto em todo o seu esplendor!
Expressões de uma beleza e expressividade surpreendentes, é o que podemos descobrir neste livro, que me foi oferecido pelo meu filho, com a particularidade de estar autografado pelo próprio autor! Até hoje, sem dúvida, a melhor prenda de aniversário!
1 comentário:
Já leste isso tudo????????
E depois eu é que tento transferir a realidade da vida para a ficção dos livros, ou a ficção da vida para a realidade dos livros... pois, pois... beijinhos
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