«- Eu não decido nada. Acontece que eles estão à espera de ser incendiados. Pela minha parte, limito-me a fazer-lhes a vontade. Reconheço a situação e aproveito. Como a chuva. A chuva cai. Os rios transbordam e há coisas que são levadas pela corrente. Será que a chuva julga alguma coisa? Atenção, não penses que eu tenho queda para a imoralidade. Gostaria de acreditar que tenho a minha própria moral. E que representa uma força extraordinariamente importante para a existência humana. Sem moralidade, o ser humano não existe. A moral é o que permite existir simultaneamente.
- Existir simultaneamente?
- Exacto. Estou aqui e estou ali. Estou em Tóquio e, ao mesmo tempo, estou em Tunes. Sou eu o culpado e sou eu que perdoo. São tudo exemplos. Esse equilíbrio existe e, sem ele, não poderíamos viver. como acontece com um alfinete de segurança. Se esse alfinete se abrisse, ficaríamos em fanicos, literalmente. É graças a isso que podemos existir simultaneamente.»
Deliciosa passagem do conto «Os celeiros incendiados»! A eterna questão da moral, que serve os propósitos de cada um, conforme as conveniências... ou o colete de forças que nos atrofia a liberdade?!
Para ser livre, é preciso transgredir ou, apenas, soltar amarras? Viver a conta-gotas para manter o equilíbrio ou viver em queda livre permanente, ao sabor do nosso livre arbítrio com a opção de decidir se sim ou se não...
Talvez a maioria das pessoas prefira a primeira; mas, sem dúvida que, a meu ver, a segunda é muito melhor e mais completa: viver livre de falsas moralidades e poder decidir se sim ou se não, sem ter que inventar argumentos para as nossas atitudes, conforme a nossa vontade. Livre de materialismos e de estatutos sociais ou outros, com a certeza absoluta de que a vida é só uma, ninguém a vive por nós e um dia acaba... Termos consciência de que cada minuto é importante e que podemos fazer com ele uma imensidão de coisas... rechearmos o tempo de atitudes e factos significativos para nós e para os outros, que contribuam para uma evolução e não limitem esta passagem a uma mera repetição de rotinas... que, mesmo interrompidas, acabam por nos sufocar...
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