SEM LIMITES, SEM FRONTEIRAS, SEM TEMPO, SEM ESPAÇO, SEM COR, SEM NACIONALIDADE, SEM SEM SEM...
28/06/2012
27/06/2012
A capa preta do livro em branco
- Aqui tens – estendeu-lhe o livro de capa preta onde se podia ver uma forma hexagonal colorida. - Abre-o só quando te sentires forte. - E se o abrir antes? – Corres o risco de ficar ainda mais fraco (dirigindo-se para a lareira para onde atirou ramos de alecrim e mais umas achas de lenha). De cócoras, observou as labaredas imponentes que se reflectiam nos seus olhos cor de mel e que reluziam sob os longos cabelos escuros, abandonados sobre o ombro direito.
Não era alta nem baixa, nem gorda nem magra, nem feia nem bonita. Era uma mulher. Apenas. Dois anos antes trocara a capital pela aldeia, onde tinha herdado umas ruínas que, em tempos, já tinham sido lugar cheio de vida. Trocara as roupas de executiva de sucesso (seja lá o que isso for!) por uns jeans, uma camisola de algodão e, ora uns ténis no inverno, ora uns chinelos no verão. Trocara reuniões e viagens por passeios à beira mar e folhas escritas que se acumulavam num canto do pavilhão. As paredes exteriores (e únicas) isolavam-na das pessoas, do calor, do frio, do mundo. Não se tornara eremita. Optara por si, deserta em si mesma e tão cheia de vida que seria insuportável partilhá-la diariamente com os outros. Insuportável para os outros. Não para ela. Continuava permeável ao que se passava, bem informada sobre tudo o que a rodeava. Tinha voz, opinião e decisão. Acção também, quando assim entendia. Não, não era uma solitária triste. Era uma solitária preenchida. De memórias, de conhecimento, de experiência. Não tinha idade. Tinha apenas tempo. Abstracto e concreto. Mantinha seletivamente todos os elos a quem e ao que queria. Livre. Livre de ser e de não ser, de estar e de não estar. De sentir, principalmente. E sentia livremente.
Encolheu os ombros e trocou o livro de mão, ansioso. Queria abri-lo. Ver o que estava dentro. Era um livro velho? Com história? Imaginou-o cheio de letras, de palavras, de sinais de pontuação, onde o sentido se perdia nas folhas amareladas. Havia uma história. Há sempre uma história em cada livro. Queria abri-lo, folheá-lo, encontrar o sentido. Dar-lhe sentidos em cada página, em cada ponto final. Queria transformar vírgulas em dois pontos. Acrescentar reticências. As palavras dela pesavam-lhe. Olhava pela janela do comboio que o levava ao ponto de partida. Ou de chegada. Não interessava. Levava-o ao ponto de si mesmo. Imaginou o livro em labaredas, onde os olhos de mel se reflectiam. Não abriu o livro. Queimava-lhe as mãos, a curiosidade, a ânsia de saber o que ele continha. Não o abriu. As palavras dela pesavam-lhe (abre-o só quando te sentires forte!), ressoavam ao longe como um silvo de um comboio antigo movido a carvão. Quis atirá-lo pela janela e perdê-lo. Não conseguiu. Esperava ele um milagre em que nunca acreditara? Era o mistério que o detinha. Qualquer livro encerra um mistério.
Sentou-se do lado da janela. Partiria dentro de cinco minutos. Ao olhar para o lado viu um livro de capa preta com uma figura hexagonal colorida. Olhou em volta e quis avisar quem ali o tinha esquecido. O comboio estava vazio. (Uma boa maneira de passar a viagem). Acomodou-se melhor, olhou para a estação, deserta. Não havia mais passageiros. Uma viagem solitária. - Melhor! Assim posso ler calmamente. Esperou. O comboio partiu à hora certa. Observava o livro mas, por qualquer razão inconsciente, não o abriu. Esquivava-se. Levantou-se e sentou-se duas ou três vezes. Sentia o mistério. Sabia que não iria resistir muito tempo. Adormeceu. Acordou. Três vezes. O livro inanimado continuava ali, a seu lado. Pegou nele com cuidado, como se receasse que, ao abri-lo, não fosse capaz de o fechar novamente. Admirou-o de todas as perspectivas e, num ato de coragem repentino abriu-o. Primeiro virou a capa. Uma página em branco. Não era seu hábito começar pelo princípio. Folheou. Outra página em branco. Estranhou o facto. Folheou então uma a uma todas as páginas. Leu a história de uma vez só. A sua história. A história dela. Do outro e do outro e dos outros que são cada um. O branco das páginas transformava-se aos seus olhos em letras, palavras, sinais de pontuação à medida que avançava na leitura. Escreveu a sua história à medida que a foi lendo. A sua e de qualquer um num livro em branco.
Irene Ermida
25/06/2012
Foto: http://www.leonardobrum.com.br/brasil.html
"As vezes tenho vontade de chorar, mas não consigo, as lágrimas simplesmente secaram, a vida me obrigou a ser dura e eu me acostumei.
Então me pergunto: O que aconteceu com a menina doce e meiga, mas insegura? Nesse momento me recordo de tudo por que já passei e concluo: depois que o diamante se torna diamante, ele nunca mais amolece, duro e bruto, com a ferramenta certa e uma dose de paciência, apenas pode ser lapidado."
Deborah Lima
21/06/2012
Foto: Google
Obrigada pelo mote F.
vivam então os disparates
na selva da carne
e do desejo
na selva da carne
e do desejo
e num simples esvoaçar de asas
parta a imaginação em busca da essência
que percorre as veias acesas de prazer
e as trémulas mãos flutuam inquietas
pela pele de seda feita arco-íris
que desponta em águas profundas
que selvagens correm no suor
de sabor a sal
evapora-se em odores e amores
desfeitos e contrafeitos
em lençóis de corpos imunes
soltos na aragem do tempo
sem horas.
Irene Ermida
18/06/2012
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
Mia Couto
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
Mia Couto
17/06/2012
Lulla Bye Acústico
Concerto de apresentação do recente editado DVD "Lulla Bye acústico na Casa da Música".
- Trailer DVD LULLA BYE : http://www.youtube.com/watch?v=0Q9ZpSSM9xQ
Um concerto onde reinou a empatia entre o grupo, em especial do vocalista, Miguel Bello, e o público. Momento alto foi quando pediu para o acompanharem, mas agora cantando o refrão como ele realmente é e não como a maioria cantava: «Why don't you far away?»
16/06/2012
15/06/2012
14/06/2012
O Tempo e o Modo | 01.Eduardo Galeano
Para Eduardo Galeano, a vida é a relação entre o querer e o poder, entre o que existe e o que acreditamos existir, entre a nossa fantasia e a circunstância realmente vivida. Galeano entende 0 realidade como sendo muito mais rica e diversificada do que a forma como por vezes a vemos, limitados por um sistema de valores que cerceia a nossa compreensão e a nossa disponibilidade para ver o desconhecido como uma oportunidade — e não como uma ameaça.
Ao longo da História, criámos uma narrativa sobre nós, humanos, que ignora as vivências dos que não se encontram no poder, como as mulheres, as culturas indígenas, ou os pobres. Uma narrativa baseada em fraturas, não apenas entre nós e os outros mas também entre o corpo e a alma ou o passado e o presente. Galeano propõe reconstruir a memória, escutar as palavras nunca escutadas e ver o mundo com outros olhos, unindo o que está separado.
De nuestros miedos
nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas
viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian
otra realidad posible
y los delirios otra razón.
En los extravios
nos esperan hallazgos,
porque es preciso perderse
para volver a encontrarse.
Eduardo Galeano
07/06/2012
05/06/2012
«Não sou boa com números. Com frases-feitas. E com morais de história. Gosto do que me tira o fôlego. Venero o improvável. Almejo o quase impossível. Meu coração é livre, mesmo amando tanto. Tenho um ritmo que me complica. Uma vontade que não passa. Uma palavra que nunca dorme. Quer um bom desafio? Experimente gostar de mim. Não sou fácil. Não colecciono inimigos. Quase nunca estou p’ra ninguém. Mudo de humor conforme a lua. Me irrito fácil. Me desinteresso à toa. Tenho o desassossego dentro da bolsa. E um par de asas que nunca deixo. Às vezes, quando é tarde da noite, eu viajo. E – sem saber – busco respostas que não encontro aqui. Ontem, eu perdi um sonho. E acordei chorando, logo eu que adoro sorrir… Mas não tem nada, não. Bonito mesmo é essa coisa da vida: um dia, quando menos se espera, a gente se supera. E chega mais perto de ser quem – na verdade – a gente é.»
Fernanda Mello
Obrigada Lena por me teres dado a oportunidade de conhecer este texto e teres pensado em mim.
Irene
¿ Conoces ya la tinta meditativa
de la primera luz?
Mira el esfuerzo
que en la copa más alta del bosque más oscuro
raya un momento, avisa y mientras cae
forma la claridad.
Así comienza el dia.
Así también, contigo,
cobran todas las cosas
um impreciso afán por empezar de nuevo,
por ser tu compañia
quando el tiempo aparezca.
Y no es el mecanismo
oxidado de um tren lo que se mueve,
ni las maderas de la barca
están secas aún. No en todas las historias
el tiempo necesita la nostalgia.
Pero tiene la luz recuerdos que son nuestros.
Van a bajar los dioses de sus libros,
Alguien descubrirá que el mundo es navegable,
habrá dias y noches, y em la luna
de lo ya sucedido
respirará la fábula blanca del calendario.
¿ Qué haremos de nosotros
ahora que los espejos todavia
no tienen una sombra que llevarse a sus láminas
a contar hasta diez?
¿ Qué podemos hacer con lo que nos han dado?
Como una insinuación, como la piedra
interroga al estanque,
cae la luz en el sueño de la casa.
y la distancia,
esa divinidad que medita en el agua
de los puertos,
vuelve al pasado, busca entre sus mitos
un Angel sin heridas,
una nueva metáfora,
algo que no es tu nombre,
pero que yo pronuncio desde el fondo
abierto de tus ojos.
Luis Garcia Montero
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