19/11/2023

Poema I

O poeta entoou um poema 


e o poema escreveu a canção 


a música rasgou  a pauta a preto e branco


delirante de notas riscadas à pressa 


num banco de jardim


inaudíveis e vibrantes 


saltaram do papel e dançaram 


ao ritmo do vento veloz, suave, lascivo 


 em movimentos envolventes. 


 E nesse instante cairam lágrimas do céu. 




 Irene Ermida

21/04/2023

Limite

Estamos todos no limite 

Que queres dizer ?

Não sei… escolhi mal as palavras. Não sei…

Mas estamos no limite ? 

Talvez, não sei …

Quem sabe?

Não sei quem sabe, não sei.



No limite de mim 

que se transmuta no espelho da noite.

E a madrugada adormece as estrelas 

e acordo numa nuvem de poeira

Não vejo não ouço não sinto

E ali está ele, o limite. 

(Mas estamos no limite ?

Talvez, não sei …

Quem sabe?

Não sei quem sabe, não sei.)


Irene Ermida

26/11/2020

sem sol






https://www.facebook.com/ruipaulofotos/photos/537447676396565


o luar cintiliante de um olhar sem sol

é música e coragem que golpeia com arte

e a magia das estrelas dispersa o medo 

da escuridão que inunda a alma.


há uma forma indistinta de luz

difusa e misteriosa

que atravessa todos os tempos

e se precipita no mar da tristeza.

a esperança adiada senta-se à beira-mar 

envolta numa doce e amarga solidão.


Irene Ermida

do lado de lá




são cores e sons que se esquecem 

                na vastidão de um mundo invertido

                                na saudade da normalidade

que nunca se quer normal


há outro lado do lado de lá...


                                e mais outro


                                        e outro ainda...


                            voa e alcança a onda que te leva para longe.


Irene Ermida

17/06/2020

UNIVERSO

Para a minha amiga Eduarda


entre as nuvens densas e negras
dois olhos irrompem do universo
e observam os acasos 
dentro de quatro paredes 

alguém perdeu uns óculos
o telefone soa como um relâmpago

uma voz espalha-se pelo vazio
e procura o(s) sentido(s)
da primavera que não chegou

os dados lançados
e uma flor imarcescível
decora a noite
e dorme acordada.
Irene Ermida




16/06/2020

MADRUGADA

madrugada na cidade
e vem o norte
e vem o sul

chegam cansados de sentir
e a magia rodopia no céu azul
claro

não há mágoas
nos teus olhos

simples passos
hábeis

não há sorte no teu futuro
nem heróis hesitantes
em aventuras tristes.

Irene Ermida

08/07/2014












...até quando?

08/06/2014

sombra do tempo





rasguei o canto da folha

e levantei a sombra do tempo

nada vi senão a alegria estampada

em rostos de contornos difusos e brilhantes


alinhei as formas sem cor

                e senti uma dor singular

                que atravessou um corpo inerte

                e atingiu o centro da terra

não há horizonte nem fronteira onde morrem as flores



Irene Ermida

18/05/2014




"Muitas vezes, uma pessoa encontra o seu destino 

numa estrada que tomou para evitá-lo." 

La Fontaine

12/09/2013

Desejo calado




fecundada na nascente de um rio
nasce das pedras e do musgo
e corre nas veias do mar

uma embriaguez tortuosa agita as ondas e
murmura incontestáveis misérias surdas
e não diz 
o que no sangue corre

porque o sangue não tem cor
nem sabor, só vento e cegueira que
guia as mãos pelo centro da terra
inundada de seiva que
chove na boca 
de desejo calado.

Irene Ermida



08/09/2013

Olhar marginal



há uma certa marginalidade no teu olhar que
rouba a quietude como quem passa pelo céu e
rouba uma estrela

marginais palavras segredadas num sorriso e
o mundo avança mais depressa

e dias e noites enganam-se numa roda que
gira no prazer íntimo de um beijo

Irene Ermida

13/04/2013

...

perdido por amor
restava-lhe a sombra...
subiu o degrau e soltou o nada
(de mão estendida ao mundo)

o vazio cresceu na língua de terra
que o esperava.

nem era um instante 
nem era fragmento 
não era nada.

Irene Ermida






...

há uma estreita passagem
entre o absurdo e a lógica
na cor dos dias               que raptam a luz
e escurecem o olhar

há um entretanto             que permanece vivo
na luz das memórias 
e confunde a razão

hesitação

entre a ousadia de esquecer
e a vontade de querer.

Irene Ermida

29/01/2013

Há palavras




Há palavras que...

... nos atiram contra a parede e num telúrico movimento nos arrancam a pele
... lapidadas, nos afagam os cabelos e plantam o brilho no olhar
... fogem assustadas e partem para o esquecimento
... nos tocam com a ponta dos dedos e nos transformam em penas
... flutuam ao sabor da brisa com sabor a mar
... nos esmagam de espanto com promessas de esperança

Há tantas palavras coladas no beiral de uma boca amordaçada que diz tudo o que queremos ouvir...

E há o silêncio arrebatador de um fim de tarde:
            o sol despede-se e dorme
            a lua anoitece e sonha.
            Sem palavras!




Irene Ermida

Recanto(s) 3


Foto: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151287104293426&set=pb.12383118425.-2207520000.1359467323&type=3&theater



são mudas e simples, mas voam 

presas por fios de silêncio

as estrelas que num murmúrio 


vagueiam e abrem portas invisíveis

são pontos e pontes crescentes

que esboçam caminhos de luz


e persistentes

nos recolhem em asas finas e resistentes

de um etéreo mistério.



Irene Ermida




26/01/2013

Recanto(s) 2






FOTO: Phillip Schumacher


um sopro feito impulso


acordado na madrugada de um adeus

separa vontades


e num recanto da despedida

há uma lua minguante

invisível à cegueira do olhar

e do sentir, que morre

no desabrochar de palavras


mudas e simples, mas voam 

presas por fios de silêncio.



Irene Ermida

21/01/2013

Recanto(s) 1

Foto: Tono Stano


há uma lonjura que me abraça

ínfimo recanto de uma indistinta melodia 

e entre a sombra e a luz existe


é uma ausência feita matéria

gerada por forças anímicas

que vacilante cintila na distância


um sopro feito impulso

acordado na madrugada de um adeus.

Irene Ermida





12/01/2013

Vermelho(s)


FOTO: José Terra

é de vermelho-vivo que se escrevem as histórias que perpassam tempos esquecidos em ramos nus de desejo de cor de sentidos sem sentido.

é de vermelho-sangue o espesso tronco que alimenta as raízes perpétuas e sólidas que respiram o ar quente de uma noite de verão e impelem avanços e recuos, conquistas e derrotas. 

é de vermelho-púrpura a árvore rasgada por rugas, marcas do sonho de uma beleza efémera talhada num rosto bafejado por correntes lúcidas e opacas desviado de um caminho inóspito e linear.

é apenas o absurdo cru de um vermelho refletido na alma de quem não sente
que a vida cintila nas estrelas
e que até elas têm fim.


Irene Ermida

07/01/2013

Tristeza



Há, por vezes, uma tristeza que me inunda os dias. Sem razão nenhuma. Apetece-me, simplesmente. Nela encontro o conforto de um calor contagiante. Sorridente. Trocamos olhares cúmplices e reanimamos memórias numa busca de ínfimos pormenores de histórias que nunca chegaram a acontecer. 

Uma melancolia com travo a mel que demora no paladar e percorre cenários impossíveis e imaginários, na tranquilidade de recordações que poderiam ter sido, ou foram. E renasço num grão de areia ou numa gota do mar.

Irene Ermida

Vela(s) 3





entrego-me aos ventos fortes

no meu barco de velas perdidas

e arrisco um naufrágio


parto ao sabor das ondas e sem pontos cardeais


não há portos à minha espera

nem saudades de improváveis regressos

só há uma partida indefinida

arrastada por marés e ventos

que me leva para distâncias

inconcebíveis de mim.

Irene Ermida