19/11/2023

Poema I

O poeta entoou um poema 


e o poema escreveu a canção 


a música rasgou  a pauta a preto e branco


delirante de notas riscadas à pressa 


num banco de jardim


inaudíveis e vibrantes 


saltaram do papel e dançaram 


ao ritmo do vento veloz, suave, lascivo 


 em movimentos envolventes. 


 E nesse instante cairam lágrimas do céu. 




 Irene Ermida

21/04/2023

Limite

Estamos todos no limite 

Que queres dizer ?

Não sei… escolhi mal as palavras. Não sei…

Mas estamos no limite ? 

Talvez, não sei …

Quem sabe?

Não sei quem sabe, não sei.



No limite de mim 

que se transmuta no espelho da noite.

E a madrugada adormece as estrelas 

e acordo numa nuvem de poeira

Não vejo não ouço não sinto

E ali está ele, o limite. 

(Mas estamos no limite ?

Talvez, não sei …

Quem sabe?

Não sei quem sabe, não sei.)


Irene Ermida

26/11/2020

sem sol






https://www.facebook.com/ruipaulofotos/photos/537447676396565


o luar cintiliante de um olhar sem sol

é música e coragem que golpeia com arte

e a magia das estrelas dispersa o medo 

da escuridão que inunda a alma.


há uma forma indistinta de luz

difusa e misteriosa

que atravessa todos os tempos

e se precipita no mar da tristeza.

a esperança adiada senta-se à beira-mar 

envolta numa doce e amarga solidão.


Irene Ermida

do lado de lá




são cores e sons que se esquecem 

                na vastidão de um mundo invertido

                                na saudade da normalidade

que nunca se quer normal


há outro lado do lado de lá...


                                e mais outro


                                        e outro ainda...


                            voa e alcança a onda que te leva para longe.


Irene Ermida

17/06/2020

UNIVERSO

Para a minha amiga Eduarda


entre as nuvens densas e negras
dois olhos irrompem do universo
e observam os acasos 
dentro de quatro paredes 

alguém perdeu uns óculos
o telefone soa como um relâmpago

uma voz espalha-se pelo vazio
e procura o(s) sentido(s)
da primavera que não chegou

os dados lançados
e uma flor imarcescível
decora a noite
e dorme acordada.
Irene Ermida




16/06/2020

MADRUGADA

madrugada na cidade
e vem o norte
e vem o sul

chegam cansados de sentir
e a magia rodopia no céu azul
claro

não há mágoas
nos teus olhos

simples passos
hábeis

não há sorte no teu futuro
nem heróis hesitantes
em aventuras tristes.

Irene Ermida

08/07/2014












...até quando?

08/06/2014

sombra do tempo





rasguei o canto da folha

e levantei a sombra do tempo

nada vi senão a alegria estampada

em rostos de contornos difusos e brilhantes


alinhei as formas sem cor

                e senti uma dor singular

                que atravessou um corpo inerte

                e atingiu o centro da terra

não há horizonte nem fronteira onde morrem as flores



Irene Ermida

18/05/2014




"Muitas vezes, uma pessoa encontra o seu destino 

numa estrada que tomou para evitá-lo." 

La Fontaine

12/09/2013

Desejo calado




fecundada na nascente de um rio
nasce das pedras e do musgo
e corre nas veias do mar

uma embriaguez tortuosa agita as ondas e
murmura incontestáveis misérias surdas
e não diz 
o que no sangue corre

porque o sangue não tem cor
nem sabor, só vento e cegueira que
guia as mãos pelo centro da terra
inundada de seiva que
chove na boca 
de desejo calado.

Irene Ermida



08/09/2013

Olhar marginal



há uma certa marginalidade no teu olhar que
rouba a quietude como quem passa pelo céu e
rouba uma estrela

marginais palavras segredadas num sorriso e
o mundo avança mais depressa

e dias e noites enganam-se numa roda que
gira no prazer íntimo de um beijo

Irene Ermida

13/04/2013

...

perdido por amor
restava-lhe a sombra...
subiu o degrau e soltou o nada
(de mão estendida ao mundo)

o vazio cresceu na língua de terra
que o esperava.

nem era um instante 
nem era fragmento 
não era nada.

Irene Ermida






...

há uma estreita passagem
entre o absurdo e a lógica
na cor dos dias               que raptam a luz
e escurecem o olhar

há um entretanto             que permanece vivo
na luz das memórias 
e confunde a razão

hesitação

entre a ousadia de esquecer
e a vontade de querer.

Irene Ermida

29/01/2013

Há palavras




Há palavras que...

... nos atiram contra a parede e num telúrico movimento nos arrancam a pele
... lapidadas, nos afagam os cabelos e plantam o brilho no olhar
... fogem assustadas e partem para o esquecimento
... nos tocam com a ponta dos dedos e nos transformam em penas
... flutuam ao sabor da brisa com sabor a mar
... nos esmagam de espanto com promessas de esperança

Há tantas palavras coladas no beiral de uma boca amordaçada que diz tudo o que queremos ouvir...

E há o silêncio arrebatador de um fim de tarde:
            o sol despede-se e dorme
            a lua anoitece e sonha.
            Sem palavras!




Irene Ermida

Recanto(s) 3


Foto: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151287104293426&set=pb.12383118425.-2207520000.1359467323&type=3&theater



são mudas e simples, mas voam 

presas por fios de silêncio

as estrelas que num murmúrio 


vagueiam e abrem portas invisíveis

são pontos e pontes crescentes

que esboçam caminhos de luz


e persistentes

nos recolhem em asas finas e resistentes

de um etéreo mistério.



Irene Ermida




26/01/2013

Recanto(s) 2






FOTO: Phillip Schumacher


um sopro feito impulso


acordado na madrugada de um adeus

separa vontades


e num recanto da despedida

há uma lua minguante

invisível à cegueira do olhar

e do sentir, que morre

no desabrochar de palavras


mudas e simples, mas voam 

presas por fios de silêncio.



Irene Ermida

21/01/2013

Recanto(s) 1

Foto: Tono Stano


há uma lonjura que me abraça

ínfimo recanto de uma indistinta melodia 

e entre a sombra e a luz existe


é uma ausência feita matéria

gerada por forças anímicas

que vacilante cintila na distância


um sopro feito impulso

acordado na madrugada de um adeus.

Irene Ermida





12/01/2013

Vermelho(s)


FOTO: José Terra

é de vermelho-vivo que se escrevem as histórias que perpassam tempos esquecidos em ramos nus de desejo de cor de sentidos sem sentido.

é de vermelho-sangue o espesso tronco que alimenta as raízes perpétuas e sólidas que respiram o ar quente de uma noite de verão e impelem avanços e recuos, conquistas e derrotas. 

é de vermelho-púrpura a árvore rasgada por rugas, marcas do sonho de uma beleza efémera talhada num rosto bafejado por correntes lúcidas e opacas desviado de um caminho inóspito e linear.

é apenas o absurdo cru de um vermelho refletido na alma de quem não sente
que a vida cintila nas estrelas
e que até elas têm fim.


Irene Ermida

07/01/2013

Tristeza



Há, por vezes, uma tristeza que me inunda os dias. Sem razão nenhuma. Apetece-me, simplesmente. Nela encontro o conforto de um calor contagiante. Sorridente. Trocamos olhares cúmplices e reanimamos memórias numa busca de ínfimos pormenores de histórias que nunca chegaram a acontecer. 

Uma melancolia com travo a mel que demora no paladar e percorre cenários impossíveis e imaginários, na tranquilidade de recordações que poderiam ter sido, ou foram. E renasço num grão de areia ou numa gota do mar.

Irene Ermida

Vela(s) 3





entrego-me aos ventos fortes

no meu barco de velas perdidas

e arrisco um naufrágio


parto ao sabor das ondas e sem pontos cardeais


não há portos à minha espera

nem saudades de improváveis regressos

só há uma partida indefinida

arrastada por marés e ventos

que me leva para distâncias

inconcebíveis de mim.

Irene Ermida











02/01/2013

Vela(s) 2


ofereço-me sem artifícios 

que velas sem pecado 


à mercê de desejos e fantasias 


numa renúncia vencida 

pelo sabor e aroma de frutos exóticos 

que apetecem e incendeiam 

numa volúpia faminta 

que nutre entranhas 

e apazigua a acidez do tempo

na penumbra de um corpo 

                                                                                Irene Ermida

01/12/2012

Pormenores




Fotos: José Terra


São sonhos transparentes
fragmentos de vidas inventadas
histórias expostas e dores traídas
Rostos esvaídos no suor
da nudez do amor reencontrado
São olhares, traços, risos
esboços perdidos e achados
numa geometria sem medida
Tempos engolidos pelo vento
com finais inacabados
e sem lágrimas chorados
Histórias recomeçadas
na aridez de frios desertos
presas às raízes arrancadas
São luas acesas no mar
de subtis texturas e contrastes
São gestos e sinais ininteligíveis
de quotidianos distantes
de gastas rotinas cruzadas
São memórias entrincheiradas
de linhas paralelas que deslizam
em faces calejadas
São retalhos em movimento
e emoções acertadas
na sedução dos corpos, afogadas
São pormenores de vidas, apagadas
Que renascem na grandeza de uma aurora.

Irene Ermida

19/11/2012

Vela(s) 1

Foto: Ana Paula Silva 
http://olhares.sapo.pt/velas-foto5087097.html



agasta-me o tempo que penso

em nada senão no mesmo

e por pensar não digo


porque pertenço à roda do silêncio


e há velas que se apagam

num sopro de anéis

entrelaçados e sorridentes

de uma poeira espessa 

à volta de um astro

tão opaco e tão distante.
Irene Ermida

02/11/2012

Escrever



Se eu pudesse havia de... de...
transformar as palavras em clava!
havia de escrever rijamente.
Cada palavra seca, irressonante!
Sem música, como um gesto,
uma pancada brusca e sóbria.
Para quê,
mas para quê todo o artifício
da composição sintáctica e métrica,
este arredondado linguístico?
Gostava de atirar palavras.
Rápidas, secas e bárbaras: pedradas!
Sentidos próprios em tudo.
Amo? Amo ou não amo!
Vejo, admiro, desejo?
Ou não... ou sim.
E, como isto, continuando...
 E gostava,
para as infinitamente delicadas coisas do espírito
(quais? mas quais?)
em oposição com a braveza
do jogo da pedrada,
da pontaria às coisas certas e negadas,
gostava...
de escrever com um fio de água!
um fio que nada traçasse...
fino e sem cor... medroso...
Ó infinitamente delicadas coisas do espírito...
Amor que se não tem,
desejo dispersivo,
sofrimento indefinido,
ideia incontornada,
apreços, gostos fugitivos...
Ai, o fio da água,
o próprio fio da água poderia
sobre vós passar, transparentemente...
ou seguir-vos, humilde e tranquilo?

Irene Lisboa

28/10/2012

Foto: .

"Fortunately women have the miraculous ability to change the meaning of their actions after the event... "
- Kundera

há tempestade no teu olhar
uma chuva torrencial que inunda 
o céu e a terra

"A life spent making mistakes is not only more honorable, but more useful than a life spent doing nothing... "

Shaw



10/10/2012

regresso

e num regresso inflexível 
renasce a semente amarga que
 impedida de crescer 
semeia as nuvens nos meus lábios
vem beber na queda da lágrima
levada pelo vento
entontecida e estranha
no segredo de uma boca
há uma borboleta que apaga a memória.



Irene Ermida

Irene Ermida

09/09/2012

Beijo



Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

Jorge de Sena

Génesis



De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.


Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça ... - Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusâo dos povos!

Não há verdade: O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

Jorge de Sena

20/08/2012



‎"E é tão raro encontrar gente para viver. Gente que não valha papéis nem metais. Gente que valha a pena. Gente rara. Gente que olhe com os olhos e toque com a pele. Gente que não precise de intermediários para viver. Gente sem vendedores dentro. Gente tão gente que não precisa de publicidade, de anúncios ou de negociações. Gente que é uma pechincha apesar de ser uma raridade. Gente sem etiqueta. Gente sem preço. Terás capital para a comprar?" 



Pedro Chagas Freitas

16/08/2012

"Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.


Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente."

Rosa Lobato de Faria

12/08/2012

Memória(s) perdida(s)




Recontar tudo, mais uma vez. Omitir passagens, reinventar memórias de que já não há memória. Talvez tivesse sido assim…
Preencher os silêncios e os vazios com um passado que já foi e talvez não tenha sido assim. Já não interessa a verdade. Mentimo-nos com o que podia ter sido… ou talvez tenha sido assim. Não há tempo para os pormenores que se desvanecem nas histórias encadeadas e confundem-se personagens, enredos, lugares e tempos.
O passado é apenas a reconstrução da memória e não há certezas. Um café tomado de manhã ou à noite, um nome ou apelido, um beijo na praia ou à porta de casa… Lençóis desfeitos por corpos ávidos de desejo ou apenas inquietos pela solidão… Um filme à meia-noite ou uma música dançada na rua… Um sorvete saboreado a dois, quem quer que fosse… Um livro partilhado, ou uma carta enviada, ou talvez recebida… Flores espalhadas pela casa, ou entregues em mão… Um sorriso, ou uma gargalhada… Uma lágrima, ou uma palavra calada…
A memória falha e é reconstruída agora com mais doçura… Metade imaginação, metade realidade… mas dói menos quando não se recorda. Inventa-se para não lembrar. Não somos o que fomos, nem sombra disso. É o que somos agora a recordar uma frase ou um gesto que nos faz sorrir ou chorar. Talvez não tenha sido exactamente assim… mas precisamos agora que o seja. E o que foi, que interessa se foi assim ou de outro modo?! É agora que vivemos a memória, por isso temos o direito de a embelezar ou atenuar. Talvez não tenha dito ou ouvido um «amo-te», talvez tenha sido invenção ou o é agora. Que diferença faz?!
Pode ter sido pior… mas agora não o é. Até parece que foi agradável… não deve ter sido tão mau como pensamos recordar. Porque não podemos pensar que foi melhor?! Porque não podemos viver com a recordação do que queremos que tenha sido?! As memórias são nossas e de mais ninguém. Fomos nós que sentimos e sabemos o que realmente foram. Se são nossas, podemos reinventá-las… como podiam ter sido.

(Em tempos conheci uma senhora que desabafava as queixas do marido… até ao dia em que ele desapareceu do mundo dos vivos. Descobriu então que tinha uma conta bem forrada que lhe permitia viver bem a sua velhice. E as memórias sofreram um revés… o falecido marido passou a ser o que ela quis que tivesse sido… Reconstruiu as suas memórias a partir daí e a vida era muito mais simples.)

Irene Ermida

27/07/2012

Encontro



Que vens contar-me

se não sei ouvir senão o silêncio?

Estou parado no mundo.

Só sei escutar de longe

antigamente ou lá para o futuro.

É bem certo que existo:

chegou-me a vez de escutar.

Que queres que te diga

se não sei nada e desaprendo?

A minha paz é ignorar.

Aprendo a não saber:

que a ciência aprenda comigo

já que não soube ensinar.

O meu alimento é o silêncio do mundo

que fica no alto das montanhas

e não desce à cidade

e sobe às nuvens que andam à procura de forma

antes de desaparecer.

Para que queres que te apareça

se me agrada não ter horas a toda a hora?

A preguiça do céu entrou comigo

e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.

Para que me lastimas

se este é o meu auge?!

Eu tive a dita de me terem roubado tudo

menos a minha torre de marfim.

Jamais os invasores levaram consigo as nossas

torres de marfim.

Levaram-me o orgulho todo

deixaram-me a memória envenenada

e intacta a torre de marfim.

Só não sei que faça da porta da torre

que dá para donde vim.



Almada Negreiros

Súplica



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

19/07/2012

O que é realmente importante




«Um professor diante da sua turma de filosofia, sem dizer uma palavra, pegou num frasco grande e vazio de maionese e começou a enchê-lo com bolas de golfe.
A seguir perguntou aos estudantes se o frasco estava cheio. Todos estiveram de acordo em dizer que 'sim'. O professor pegou então numa caixa de fósforos e vazou-a dentro do frasco de maionese. Os fósforos preencheram os espaços vazios entre as bolas de golfe.
O professor voltou a perguntar aos alunos se o frasco estava cheio, e eles voltaram a responder que 'Sim'. Logo, o professor pegou numa caixa de areia e vazou-a dentro do frasco. Obviamente que a areia encheu todos os espaços vazios e o professor questionou novamente se o frasco estava cheio. Os alunos responderam-lhe com um 'Sim' retumbante.
O professor, em seguida, adicionou duas chávenas de café ao conteúdo do frasco e preencheu todos os espaços vazios entre a areia. Os estudantes riram-se nesta ocasião. Quando os risos terminaram, o professor comentou:
'Quero que percebam que este frasco é a vida. As bolas de golfe são as coisas importantes, a família, os filhos, a saúde, a alegria, os amigos, as coisas que vos apaixonam. São coisas que, mesmo que perdêssemos tudo o resto, a nossa vida ainda estaria cheia. Os fósforos são outras coisas importantes, como o trabalho, a casa, o carro etc. A areia é tudo o resto, as pequenas coisas.
'Se primeiro colocamos a areia no frasco, não haverá espaço para os fósforos, nem para as bolas de golfe. O mesmo ocorre com a vida. Se gastamos todo o nosso tempo e energia nas coisas pequenas, nunca teremos lugar para as coisas que realmente são importantes.
Presta atenção às coisas que realmente importam. Estabelece as tuas prioridades, e o resto é só areia.'
Um dos estudantes levantou a mão e perguntou:
- Então e o que representa o café?
O professor sorriu e disse: ' Ainda bem que perguntas! Isso é só para lhes mostrar que por mais ocupada que a vossa vida possa parecer, sempre há lugar para tomar um café com um(a) amigo(a)'.»

12/07/2012

UM DIA NÃO MUITO LONGE NÃO MUITO PERTO

Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?


Ruy Belo
 

quero lá saber da poesia

essa volúpia de palavras que arremessa sentidos

achados no vento e nas estrelas



quero lá saber de poetas

que criam miragens em horizontes obscenos



quero lá saber de poemas

que enchem a vida de ar e de sonhos

contornos de ser num jogo de espelhos



quero, só quero, as linhas invisíveis que traçam pontos

entrecruzados nos mistérios da poesia



(vou ali sonhar um mar de estrelas e depois, talvez, volte...)
 


Irene Ermida

06/07/2012

O amor é cego...





The Lovers, 1928, René Magritte

27/06/2012

A capa preta do livro em branco




Foto: Google




- Aqui tens – estendeu-lhe o livro de capa preta onde se podia ver uma forma hexagonal colorida. - Abre-o só quando te sentires forte. - E se o abrir antes? – Corres o risco de ficar ainda mais fraco (dirigindo-se para a lareira para onde atirou ramos de alecrim e mais umas achas de lenha). De cócoras, observou as labaredas imponentes que se reflectiam nos seus olhos cor de mel e que reluziam sob os longos cabelos escuros, abandonados sobre o ombro direito.


Não era alta nem baixa, nem gorda nem magra, nem feia nem bonita. Era uma mulher. Apenas. Dois anos antes trocara a capital pela aldeia, onde tinha herdado umas ruínas que, em tempos, já tinham sido lugar cheio de vida. Trocara as roupas de executiva de sucesso (seja lá o que isso for!) por uns jeans, uma camisola de algodão e, ora uns ténis no inverno, ora uns chinelos no verão. Trocara reuniões e viagens por passeios à beira mar e folhas escritas que se acumulavam num canto do pavilhão. As paredes exteriores (e únicas) isolavam-na das pessoas, do calor, do frio, do mundo. Não se tornara eremita. Optara por si, deserta em si mesma e tão cheia de vida que seria insuportável partilhá-la diariamente com os outros. Insuportável para os outros. Não para ela. Continuava permeável ao que se passava, bem informada sobre tudo o que a rodeava. Tinha voz, opinião e decisão. Acção também, quando assim entendia. Não, não era uma solitária triste. Era uma solitária preenchida. De memórias, de conhecimento, de experiência. Não tinha idade. Tinha apenas tempo. Abstracto e concreto. Mantinha seletivamente todos os elos a quem e ao que queria. Livre. Livre de ser e de não ser, de estar e de não estar. De sentir, principalmente. E sentia livremente.


Encolheu os ombros e trocou o livro de mão, ansioso. Queria abri-lo. Ver o que estava dentro. Era um livro velho? Com história? Imaginou-o cheio de letras, de palavras, de sinais de pontuação, onde o sentido se perdia nas folhas amareladas. Havia uma história. Há sempre uma história em cada livro. Queria abri-lo, folheá-lo, encontrar o sentido. Dar-lhe sentidos em cada página, em cada ponto final. Queria transformar vírgulas em dois pontos. Acrescentar reticências. As palavras dela pesavam-lhe. Olhava pela janela do comboio que o levava ao ponto de partida. Ou de chegada. Não interessava. Levava-o ao ponto de si mesmo. Imaginou o livro em labaredas, onde os olhos de mel se reflectiam. Não abriu o livro. Queimava-lhe as mãos, a curiosidade, a ânsia de saber o que ele continha. Não o abriu. As palavras dela pesavam-lhe (abre-o só quando te sentires forte!), ressoavam ao longe como um silvo de um comboio antigo movido a carvão. Quis atirá-lo pela janela e perdê-lo. Não conseguiu. Esperava ele um milagre em que nunca acreditara? Era o mistério que o detinha. Qualquer livro encerra um mistério.



Sentou-se do lado da janela. Partiria dentro de cinco minutos. Ao olhar para o lado viu um livro de capa preta com uma figura hexagonal colorida. Olhou em volta e quis avisar quem ali o tinha esquecido. O comboio estava vazio. (Uma boa maneira de passar a viagem). Acomodou-se melhor, olhou para a estação, deserta. Não havia mais passageiros. Uma viagem solitária. - Melhor! Assim posso ler calmamente. Esperou. O comboio partiu à hora certa. Observava o livro mas, por qualquer razão inconsciente, não o abriu. Esquivava-se. Levantou-se e sentou-se duas ou três vezes. Sentia o mistério. Sabia que não iria resistir muito tempo. Adormeceu. Acordou. Três vezes. O livro inanimado continuava ali, a seu lado. Pegou nele com cuidado, como se receasse que, ao abri-lo, não fosse capaz de o fechar novamente. Admirou-o de todas as perspectivas e, num ato de coragem repentino abriu-o. Primeiro virou a capa. Uma página em branco. Não era seu hábito começar pelo princípio. Folheou. Outra página em branco. Estranhou o facto. Folheou então uma a uma todas as páginas. Leu a história de uma vez só. A sua história. A história dela. Do outro e do outro e dos outros que são cada um. O branco das páginas transformava-se aos seus olhos em letras, palavras, sinais de pontuação à medida que avançava na leitura. Escreveu a sua história à medida que a foi lendo. A sua e de qualquer um num livro em branco.


Irene Ermida

25/06/2012



Foto: http://www.leonardobrum.com.br/brasil.html




"As vezes tenho vontade de chorar, mas não consigo, as lágrimas simplesmente secaram, a vida me obrigou a ser dura e eu me acostumei.
Então me pergunto: O que aconteceu com a menina doce e meiga, mas insegura? Nesse momento me recordo de tudo por que já passei e concluo: depois que o diamante se torna diamante, ele nunca mais amolece, duro e bruto, com a ferramenta certa e uma dose de paciência, apenas pode ser lapidado."

Deborah Lima

21/06/2012


Foto: Google
Obrigada pelo mote F.




vivam então os disparates

na selva da carne

e do desejo


e num simples esvoaçar de asas

parta a imaginação em busca da essência

que percorre as veias acesas de prazer

e as trémulas mãos flutuam inquietas

pela pele de seda feita arco-íris

que desponta em águas profundas

que selvagens correm no suor

de sabor a sal 

evapora-se em odores e amores

desfeitos e contrafeitos

em lençóis de corpos imunes 

soltos na aragem do tempo

sem horas.

Irene Ermida



http://galeria.obviousmag.org/v/recortes/Posteres+minimalistas+da+filosofia/?g2_page=2

18/06/2012



Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida


Mia Couto

Liza Veiga - Everybody hurts (REM)

17/06/2012

Lulla Bye Acústico





    Concerto de apresentação do recente editado DVD "Lulla Bye acústico na Casa da Música". 


Um concerto onde reinou a empatia entre o grupo, em especial do vocalista, Miguel Bello, e o público. Momento alto foi quando pediu para o acompanharem, mas agora cantando o refrão como ele realmente é e não como a maioria cantava: «Why don't you far away?»


16/06/2012

Alice Russell & Quantics Soul Orchestra - Feeling Good


«Prendete la vita con leggerezza, che leggerezza non è superficialità, ma planare sulle cose dall’alto, non avere macigni sul cuore.»

(Prende-te à vida com leveza, que a luz não é superficial, mas deslizar nas coisas do alto, liberta o coração. tradução livre)

Italo Calvino

15/06/2012



 IMAGEM DE: ANDRIUS KOVELINAS

14/06/2012

O Tempo e o Modo | 01.Eduardo Galeano

Para Eduardo Galeano, a vida é a relação entre o querer e o poder, entre o que existe e o que acreditamos existir, entre a nossa fantasia e a circunstância realmente vivida. Galeano entende 0 realidade como sendo muito mais rica e diversificada do que a forma como por vezes a vemos, limitados por um sistema de valores que cerceia a nossa compreensão e a nossa disponibilidade para ver o desconhecido como uma oportunidade — e não como uma ameaça.
Ao longo da História, criámos uma narrativa sobre nós, humanos, que ignora as vivências dos que não se encontram no poder, como as mulheres, as culturas indígenas, ou os pobres. Uma narrativa baseada em fraturas, não apenas entre nós e os outros mas também entre o corpo e a alma ou o passado e o presente. Galeano propõe reconstruir a memória, escutar as palavras nunca escutadas e ver o mundo com outros olhos, unindo o que está separado.


De nuestros miedos
nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas
viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian
otra realidad posible
y los delirios otra razón.
En los extravios
nos esperan hallazgos,
porque es preciso perderse
para volver a encontrarse.

Eduardo Galeano

07/06/2012