30/12/2008

Imprecisão 3

FOTO: Pedro Noel da Luz http://olhares.aeiou.pt/


uma misteriosa inquietação

constrói uma consciência impávida
que surge na escuridão de uma manhã

impávida fragmentada ameaçadora

resisto à luz gradual que me cega

e à minha volta espalho pétalas de medo

sabia onde parar?

do fundo retirei os raios de água

que escorriam pelo rosto imóvel

em momentos de hesitação inexistente

sem notas musicais impossíveis

rodo os ponteiros do relógio

e reencontro-me, submersa,

na margem de um rio febrilmente seco
Irene Ermida



Imprecisão 2

FOTO: Pedro Noel da Luz http://olhares.aeiou.pt/




vem aos lábios a letra indistinguível

de difusas canções familiares

um átrio atravessado por um denso nevoeiro


exala aromas de infinitas memórias

de uma infância encadernada de verde

pressenti a indiferença e folheei as fantasias


emersas do gelo inquebrável

que, envolvido em doce nostalgia,

se derretia nas minhas mãos

escorreguei pela vereda das imagens insólitas


e parti, num dia claro,

em viagem

Irene Ermida



21/12/2008

Imprecisão 1


FOTO: Pedro Noel da Luz http://olhares.aeiou.pt/

não arrisco adivinhas nem magias

palavras dormentes acordam o regresso

ao canto esquecido de um quarto

na traseira soalheira da casa invisível

aperto a sombra contra mim

e o calor do relâmpago espreita com olhos de poeira

o segredo que durante milénios ousou feitiços

tropecei na aventura informe e abriu-se o alçapão

pendurei o calendário dos anos seguintes

e as memórias expiraram

num poema

Irene Ermida



11/12/2008

A diferença

Foto: Gonçalo Sousa, http://olhares.aeiou.pt/




A diferença requer um olhar diferente.


Sufocados e submersos pelas intempéries da vida, que se desenrola numa sequencialidade de banalidades frívolas, acessórias e rotineiras, empurrando-nos para o lado seco e amargo do tempo, permanecemos imunes e indiferentes, alheios e mecânicos, vazios e distantes.


O olhar embaciado pelos reveses avança em direcção nenhuma, sem sentir, sem pensar, sem saborear.


Tudo é igual porque o queremos ver, sem olhar.


Mas a diferença existe!

Surge, de repente, imponente e incontornável num gesto, num sorriso, numa lágrima, numa palavra, num olhar! Parece efémera... mas, na verdade, perpetua-se em nós e marca a diferença de sermos iguais.

Irene Ermida



26/11/2008

.
pintei-me de cores esbatidas pelo fogo
.
e lavei os olhos nas cinzas mornas e vivas
.
queimei as páginas da história que nunca aconteceu
.
soltei estrelas, suspiros e palavras
.
que flutuaram no olhar esquecido
.
de uma tarde apagada


.

Irene Ermida



24/11/2008

.
atirei-me para um canto
.


vazia de sentidos e de dores
.


olhei-me com olhos de mares e de montanhas
.


sem riscos delineados por sombras imutáveis
.


ali, no meio de um querer sem porvir
.


rasgada por raios de vento e de silêncio
.


permaneci inerte na neve de branca calma
.

e vivi uma única vez
.
Irene Ermida



22/11/2008

Dores e outras coisas de momento

...
De há uns tempos para cá, estou a ficar preocupada comigo, o que acontece muito raramente. Quando aparece uma dor, espero que passe. Mas esta dura há quinze dias... e não há meio de passar! É intermitente, é certo, e geralmente aparece ao fim da tarde. Deduzo que seja stress (este palavrão que dá com tudo!). Reuniões até às tantas e quase diárias, imprevistos atrás de imprevistos que exigem resposta pronta, a rotina de problemas... Um infindável colar de contas (ou de contos?)...

Ontem, quando cheguei a casa, decidi enfiar-me numa banheira de água quente para descontrair. Adormeci e só acordei com a água fria!

Hoje fui para uma esplanada à beira-mar, sob um sol resplandecente, com boa música de fundo e dediquei-me à leitura de Mr. Vertigo, de P. Auster. Perdi a noção do tempo, até ter dado conta do zumzum que estava à minha volta. Incomodada, decidi ir ao cinema, onde me esperava uma fila enorme de pessoas que ao fim-de-semana se recolhem no shopping para esmagar o tempo.

Saí com a tal dor de cabeça e vim para casa.

E, de caminho, embrenhada nos meus pensamentos, comecei a acordar: há qualquer coisa que não está bem comigo! Ou seja, tomei consciência de que não suporto espaços com gente... pessoas... seres humanos... E isto, sinceramente, preocupa-me. Gostar de estar sozinha, evitar espaços contaminados de vozes, de risos, de movimento... Não é normal ou, pelo menos, não era até agora!
Quando é que sabemos que sofremos de misantropia?!
...
Irene Ermida



17/11/2008

Pérola(s)

Foto: Barbara Angel http://olhares.aeiou.pt/

um corpo estranho

invade o ser que sou

sem o ser

as pérolas deslizam
.
como grãos de areia
.
pela extensa silhueta
.
em reflexos azuis e sem cor
.
sem sabor
.
pérolas que caem
.
como gotas de água
.
pela face pálida e serena
.
sem contornos
Irene Ermida



16/11/2008

(de)gelo



Foto: JM Monteiro http://olhares.aeiou.pt/




toco o gelo e a neve


fundidas nas tuas mãos


entrelaçadas nas minhas




um degelo chamado eu


por um tu chamado nós


acesos num lume


que queima as asas


de um querer


com voz


Irene Ermida






Desabafar é bom... ou excelente?!


Já há uns tempos atrás tive oportunidade de me referir à minha professora primária.
E hoje, mais uma vez, quero, necessito, mais do que nunca, lembrar-me dela!
O seu estatuto impunha respeito, admiração e o seu empenho e dedicação incentivava os melhores e não deixava para trás os mais fracos. Uma professora que ensinava, corrigia, educava… tratava-nos como alunos e como filhos, víamos nela a figura de mãe, de conselheira, de lutadora: era a senhora professora. Aprendíamos, porque ela nos ensinava, porque sabia exactamente qual a sua missão! Uma EXCELENTE professora!
Nós, crianças, sentíamo-nos gratas! E, pelo seu aniversário, oferecíamos-lhe um ramo de flores em sinal do nosso reconhecimento, que amaciava a sua aparência austera e deixava ver aos mais atentos, as lágrimas que ficavam a brilhar nos seus olhos.
Ao longo da nossa vida de estudantes privámos com EXCELENTES professores, que fizeram a diferença e se perpetuaram na nossa memória como exemplo a seguir. Dos fracos? Não reza a história! Caem no mais profundo esquecimento!
A todos os EXCELENTES professores que, diariamente, se empenharam ao longo de décadas (e aos que se empenham) na sua tarefa de ensinar pelo simples prazer de ver os seus alunos aprender, sem esperar louvores, nem menções honrosas, nem prémios, conscientes de que a sua acção ultrapassa qualquer rótulo, que o contributo que prestam para melhorar a «educação» dos homens e mulheres que um dia serão profissionais dos mais diversos sectores (mecânicos, cozinheiros, jornalistas, médicos, engenheiros, motoristas, ministros…), e que sempre foram alvo da indiferença total por parte da sociedade que deixou de lhes reconhecer competência, autoridade, dignidade; votados a um esquecimento displicente durante anos e anos, a quem, mais do que qualquer formalidade de avaliação, interessa o juízo que os seus alunos formam deles no quotidiano das suas aulas e fora delas…
A todos os EXCELENTES professores que foram avaliados com uma menção de SATISFAZ (importaria saber quantos requereram a menção de BOM no anterior sistema de avaliação!) e se contentaram com ela, porque o mais importante era a sua rotina escolar centralizada na aprendizagem dos alunos, porque esse sim, era o sentido do seu trabalho…
A todos os EXCELENTES professores que deram o seu contributo para que os seus(suas) alunos(as), passados uns anos, soubessem escrever, ler, criticar, formar opiniões, argumentar, fundamentar, mesmo contra eles…
A esses EXCELENTES professores anónimos para quem as quotas nunca serão suficientes nem os afectará na sua integridade, presto a minha homenagem porque souberam (sabem) enriquecer o país de ideias e de atitudes!
Expresso, por último, à minha professora primária um agradecimento especial por me ter ensinado que a pronúncia do “x” pode ser diferente consoante a palavra, e que o significado da palavra EXCELENTE não se limita a um mero quantitativo numérico, mas antes corresponde a um conteúdo e a uma essência incompreensíveis a quem não guarda memória dos seus professores.
Afinal, não é mais importante ser um BOM EXCELENTE do que um EXCELENTE de 10 valores?!

Irene Ermida



10/11/2008

Cinema sem pipocas

“Shine a Light”

À última da hora venci a inércia da segunda-feira e lá fui ao «Cinema sem Pipocas». Um documentário arrepiante
de Martin Scorsese com a banda dos Rolling Stones, filmado em 2006, no Beacon Theater, Nova Iorque.
Não fosse a má qualidade do som da sala, e ter-me-ia julgado em pleno espectáculo ao vivo!
A força das imagens traduz a energia contagiante de Mick Jagger e a marotice de Keith Richards.
Momento alto do concerto: o dueto com M. Jagger e Buddy Guy.
Momento de reflexão do filme: resposta de M. Jagger a um jornalista durante uma entrevista há cerca de 30-40 anos atrás que pretendia saber se o cantor se imaginava aos 60 anos a fazer o mesmo - Claro, na boa!
Uma lição para os mortos-vivos do planeta! Deste, entenda-se!

(des)enlace

...
D E S E N L A C E evidente à luz do dia
...
espelhado na transparência das águas
...
e LIVRE é o que sempre foi
...
D E S A C O R R E N T A D O
...
E
...
I N T E N S O
...
Irene Ermida



enlace



...
E N L A C E oculto que transgride todas as regras
...
desagrega o U N I V E R S O dos sentidos insiginificantes
...
D E S M I S T I F I C A D O S
...
E
...
P E R M I T I D O S
...
Irene Ermida



01/11/2008

Destruir depois de ler



Diria uma paródia da sociedade actual (americana e não só) que oscila entre a ironia e o absurdo quer das relações interpessoais, despojadas de sentimento e fruto de meras circunstâncias, quer da paranóia criada por temores infundados de qualquer potencial trama de espionagem, culminando com o objectivo alcançado por Frances McDormand, na personagem de uma empregada de um ginásio que sonha recuperar a silhueta esbelta de há vinte anos atrás, através de cirurgia plástica.
A sequência de situações, que parecem deslizar entre si e precipitam os acontecimentos, impregnadas de um humor subtil ou de um cómico evidente, permanecem na retina por algum tempo e fazem uma viagem no cérebro proporcionando perspectivas diferentes sobre a banalidade de uma rotina interiorizada.
Sem termos de comparação com outros filmes realizados pelos irmãos Coen, este, provocou-me o riso, o sorriso e a boa disposição, mas também apreensão, pois, na sala de cinema cheia havia meia dúzia de pessoas com estes sintomas! Ora, das duas uma: ou ando a exagerar no riso, ou os outros andam deprimidos!

30/10/2008

Hemisfério(s) 3



Foto: David Sousa http://olhares.aeiou.pt/
colateral
ponto cardeal
da rosa-dos-ventos
.



arco lançado ao vento
num rodopio circular
desenha espirais contínuas
sem fim sem princípio
cruza distâncias e proximidades
em fracções de segundo
que não chega a ser
tempo contado pelos ponteiros
de relógios de cristal sem pêndulo
a medir amplitudes
nem variações
Irene Ermida



Hemisfério(s) 2


Foto: Bruno Silva http://olhares.aeiou.pt

artificial
esfera assimétrica
de simetrias instáveis


atravessa pontos
equidistantes
e colide com coordenadas
aleatórias
traçadas a giz no pó volátil
do axioma
solto no cais que se estende
sobre o mar
ausente no sorriso rasgado
de uma nuvem

Irene Ermida



29/10/2008

Hemisfério(s) 1

Foto: José Meneses http://olhares.aeiou.pt/


cerebral

esquerdo a sul acidental

direito a norte oriental


hemisférios sem meridiano

cruzam-se na linha curva que une pontos

de partida e de chegada

do princípio de nada ao fim de tudo

numa recta contínua

de um plano imprevisível

de um espaço excessivo

preenchido de vazios tão cheios...

Irene Ermida




28/10/2008

Segmento(s) 3


Foto de Nélio Filipe http://olhares.aeiou.pt/
.
páginas divididas em partes iguais sem rótulos nem verdades adormecidas em veredas singulares percorridas por existências similares e anódinas na permanência agrilhoada num tempo seco e trivial inquantificável e imenso interrompido por um luar dominado pela noite enevoada de ruídos inexplicáveis projectados ostensivamente no delito cometido sem pudor preconizado por entidades feéricas que dançam sob a chuva que atrai gotas minúsculas que se unem numa trajectória de queda no cume de montanhas inatingíveis
 
Irene Ermida



26/10/2008

Segmento(s) 2


Foto de Nélio Filipe http://olhares.aeiou.pt/
.
recortes e colagens transparentes de vontades presas em celas espelhadas de ouro prateado de portas abertas para a rua de cima que espreita o mar extenso de sal e de azul efémero e habitado de seres minúsculos que volteiam as ondas que perpetuam o ciclo infindável de sonhos derretidos na boca sem idade no limite de um sabor adocicado de mel sem dor à mistura e com olhares cruzados no horizonte que antevê a cumplicidade de gestos e de sentidos

Irene Ermida



Segmento(s) 1

Foto de Nélio Filipe http://olhares.aeiou.pt/



desfile de imagens subtis serpenteiam pelo olhar cego a traços nítidos impressos em letras desenhadas com mão firme guiada por um fio de seda envolvente embrenhado em ideias condensadas que chovem na madrugada ventilada e fresca surpreendida pelo sol acordado à pressa e esfrega os olhos ainda dormentes dos sonhos inconsistentes que projectaram raios de luz frágeis e apagados em qualquer rosto embriagado de um sentir imerso num dizer do silêncio

Irene Ermida



25/10/2008



Música: Enya - Watermark

24/10/2008

Registo(s) 3

Foto de Maria Catunto http://olhares.aeiou.pt/

um registo gravado em rocha metamórfica que se dilui na transparência do vento que sopra a uma velocidade estonteante poupando incólume a escritura bíblica de um qualquer episódio passado decidido na voracidade do tempo medido em segundos sem escala contínua de uma unidade transfigurada em espectros volúveis de sons propagados no universo ínfimo e de luzes extintas no espaço habitado por oceanos de águas salinas inodoras e sem gosto nem odor

Irene Ermida

Registo(s) 2

Foto de Ingrid http://olhares.aeiou.pt/


silhueta derramada na sombra de um tronco imponente inclinado no cima da serra onde o sol descansa nas ínfimas ervas daninhas e não sem sono perturbado ou tranquilo semeado de sonhos diletantes e ingénuos com vaidades ocultas entre as folhas das árvores secas e centenárias que abrigam segredos eternos sem princípio e sem fim numa continuidade impermeável a qualquer contingência temporal ou erupção de vulcões (porque não?) de lava desenhados a preto e branco ausentes de cor e de calor

Irene Ermida

23/10/2008

Registo(s)1



Foto de Ingrid http://olhares.aeiou.pt/





carta redigida em papel de lustro guardado na gaveta das memórias distraídas inclusas e ociosas o branco ressalta no fundo azul turquesa de madrepérolas e jóias obtusas e fora de moda as palavras circuncidadas emergem perenes e alheadas enredadas num qualquer envelope agridoce criado no mofo de qualquer livro lido e esquecido deixado no canto de uma estante arrumada no sótão das quimeras por onde divaga a vontade de ter sido e tornada não ser de um destinatário sem remetente nem morada registada na agenda amarelecida e bolorenta que dança em qualquer pacote sem embrulho desfeito desde o dia em que foi oferecido e esquecido em qualquer caixa postal


Irene Ermida




..........................................
.................existo num gesto.......................
..........................numa gota......................
...............numa nuvem.....................................
num registo.....................................
...................................



15/06/2008



Imagem da autoria de adesenhar que pode ver também em Cartoons 3D .

11/06/2008

Perlexidades


? ? ?

Sexo e a cidade



Para terminar as minhas férias em beleza, lá fui ver o filme, com as minhas amigas.

O meu cérebro estabeleceu uma subliminar associação com um dos melhores filmes de Woody Allen "A Rosa Púrpura do Cairo", cuja actriz principal, interpretada por Mia Farrow, é surpreendida pelo actor que sai do écrã e a introduz na tela, desenvolvendo um jogo entre fantasia e realidade.

A realidade exposta pelo quarteto inseparável destas mulheres procurando o amor, cada uma à sua maneira, despertou em mim uma sensação de desengano.
A vida, se fosse cinema, seria, sem dúvida, bem melhor, pois, pelo menos, haveria a certeza de que, no fim, tudo acabaria bem.

Hoje, caí na realidade, quando tocou o despertador às 7h30 e me preparei para recomeçar a minha actividade (que se adivinha intensa!).
E lá fui de boleia, já que na «realidade», o meu carro está há uns dias na oficina!

10/06/2008

Já ninguém se lembra de Camões?

«Qual Ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas.»

Mário Quintana

E se quiserem treinar e não tiverem a obra à mão (o que é imperdoável) aqui vai um endereço.

Recomendo a (re)leitura das estrofes 120 - 134, do Canto III

09/06/2008

(se)mentes




Foto: Oleg Lobachev
(mal)tratei fracturas do teu ser
pela noite espa(e)lhadas
preenchi lacunas con(re)sumidas no tempo
e enfeitei (des)providas madrugadas
(des)ocupei camas e mesas fendidas
aclarei manchas (des)povoadas
esvaziei sentidos (in)quietos
destituí palavras a(du)lteradas


Irene Ermida

Ora toma lá!



José Eduardo Moniz "Nunca tomarei decisões apenas porque determinada funcionária é minha mulher. (...) A Manela tem méritos próprios, que não precisam do marido para nada."
José Eduardo Moniz, director-geral da TVI, comentando o regresso de Manuela Moura Guedes aos ecrãs da estação, in "Notícias TV".


Fonte: http://fama.sapo.pt/

Para quem não sabia, fica a saber!
Que más línguas, que coisa!
Fiquei muito mais feliz por ser assim!
Ai que não caibo em mim de contente!

Malha caída



Foto: Google (alterada)
Entrelaçava o fio vermelho concentrada nos seus botões. As agulhas dançavam ao ritmo da música. Para trás ficava um pedaço de camisola que nunca iria usar. A textura suave e elástica hipnotizavam os sentidos adormecidos.
Fazia tricô e deixou cair uma malha.
E agora?

Irene Ermida

Negaçao do nada


Foto: Narcis Virgiliu

não me embalo na robustez do vento

não trilho veredas de nuvens informes

não me seco no instante fugaz do vazio

não navego na vacilante onda de espuma

não cresço em agrestes jardins sem raízes

não me afogo em inconstantes marés cheias

não me alimento da efémera torrente do vulcão

não estremeço no fluxo contínuo do volúvel

não combato inexistentes espectros de luz

não me resigno a inquietos ímpetos de fé

não derivo na intranquila corrente do rio

não flutuo em lagos de verdes pântanos

não, não me sinto nos outros sem mim

Irene Ermida

07/06/2008

Iniciativa audaz

Enquanto milhões de olhares se fixam no quadrado mágico para ver quem primeiro mete a bola na baliza do adversário, ouvi num outro canal de TV, a notícia de que em Portugal nenhuma cidade aderiu à 5ª Manifestação Ciclonudista Mundial que teve hoje lugar em várias cidades do mundo.

Dada a singularidade do evento, decidi pesquisar mais alguma informação, visto que não será nada fácil pedalar em tão nu estado e, acima de tudo, causou-me estranheza a ausência desta iniciativa em Portugal, já que, noutras, estamos sempre solícitos a participar.
Estando nós em crise, seria sempre uma boa alternativa!
Em vez de invejarmos a peça de roupa ou o automóvel da marca, passaríamos a comentar as mamas, mais ou menos descaídas, das mulheres, ou o tamanho do pénis, maior ou menor, dos homens...
Pensando bem, o «sexo» passaria a ser o tema central das conversas diárias e tornar-se-ia tão banal que, ao fim de algum tempo, os conceitos e valores estariam completamente alterados!
As vantagens seriam inúmeras: os atropelamentos seriam reduzidos e menos graves, os combustíveis eram dispensáveis, os benefícios para a saúde seriam evidentes, a poluição diminuiria drasticamente, diminuiriam as desigualdades sociais, aumentaria a natalidade e a paisagem seria francamente mais aprazível.
Bem, não aderimos desta vez mas, aos poucos. lá chegaremos, pois com o actual estado de coisas, o nosso país vai ser o primeiro a dar o exemplo aderindo massivamente!


Foto retirada da net, ao acaso (nem todos(as) apreciarão a escolha, paciência...)

Pelos gritos de «goooooooolo» que ouvi há pouco, deduzo que Portugal esteja a ganhar... ainda bem que há quem não perca tempo com «iniciativas» destas e aproveite bem o seu tempo!

E para quem gostar de MPB



No próximo dia 14 de Junho, às 22h00, no Auditório Exterior do Teatro de Vila Real.
E este sim, é acessível a todos...
Espero que a noite esteja quente!

Bailado no programa de sexta à noite...

Graças à política de fidelização dos espectadores adoptada pelo Teatro de Vila Real, que consiste em oferecer bilhetes de vez em quando, a quem está inscrito na sua base de dados, tive hoje a oportunidade de assistir a este espectáculo. Aprecio a arte nas suas diferentes formas. Não entendo as técnicas mas os sentidos reagem positiva ou negativamente aos estímulos e isso para mim é que é importante.
Não foi o primeiro bailado a que assisti, evidentemente. Ainda bem que venci os últimos instantes de hesitação. Assim, as três partes “LES SYLPHIDES”, de Mikhail Fokine, “LENTO PARA QUARTETO DE CORDAS”, de Vasco Wellenkamp e “FRONT LINE”, de Henri Oguike corresponderam a três momentos de prazer, embora se tratasse de coreografias completamente diferentes.
Da leveza dos movimentos à intensidade dos ritmos, tudo se passou no palco, ao som de composições musicais envolventes.

A cultura deveria ser acessível a todos... (não acham?)

04/06/2008

Como S. Tomé: ver para crer!

Encontra-se na Galeria do JN a exposição de João Silva: Pesadelo.

A realidade é filtrada através da lente do repórter, que decide o quê e o que deve fotografar para que os nossos olhos alcancem a dimensão da tragédia humana! Mas ela é tão real que quase queremos que seja ficção. Ver, para crer!

Recebi a visita de
os_meus_rabiscos
e deambulando, prazenteiramente, pela sua escrita
descobri este
texto
singular mas muito frontal!

Na capital da Catalalunha

Em Barcelona há vida nas ruas...


...primaveras convidadas...



...cores e sabores estivais...


...música no ar...


...há luz e sombra...



...há pormenores e arte...



... e sonhos, para quem ousa sonhar...

... e muitos turistas!

02/06/2008

Adivinhação


Foto: Narcis Virgiliu
arrisco uma palavra solta
que me rasga latitudes infinitas

duendes e magos rastejam
sob o lodo inundado de um querer
que emerge do nada

videntes e bruxos consomem
fogos distintos de um sentir
perdido por oráculos obstinados

e os destinos fragmentados pelas estrelas
desviam rumos pendulares
sem rota predestinada

Irene Ermida

01/06/2008

Por terras de nuestros hermanos...



Além de objecto de adorno fora de uso, útil para refrescar em dias de calor as partes do corpo mais ruborizadas, elemento obrigatório da indumentária tradicional espanhola, o leque é também um meio de comunicação:


El Lenguaje de los Abanicos

El abanico colocado cerca del corazón: "Has ganado mi amor"
Cerrar el abanico tocándose el ojo derecho: " Cuando podré verte"
El número de varillas muestran la contestación a una pregunta: "A que hora"
Abanico medio abierto presionado sobre los labios: "Puedes besarme"
Las dos manos juntas sujetando el abanico abierto: "Olvídame"
Cubrirse la oreja izquierda con el abanico abierto: "No reveles nuestro secreto"
Esconder los ojos detrás del abanico abierto: "Te quiero"
Tocar con el dedo la parte alta del abanico: "Desearía hablar contigo"
Dejar el abanico descansado sobre la mejilla derecha: "Si"
Dejar el abanico descansado sobre la mejilla izquierda: "No"
Descender el abanico: "Seremos amigos "
Abanicarse lentamente: "Estoy casada"
Abanicarse rápidamente: "Estoy comprometida"
Poner el abanico sujetándolo sobre los labios: "Bésame"
Abrir totalmente el abanico: "Espérame"
Situar el abanico detrás de la cabeza: "No me olvides"
Situar el abanico detrás de la cabeza con el dedo extendido: "Adiós"
Situar el abanico delante de la cara con la mano derecha: "Sígueme"
Mantener el abanico sobre la oreja izquierda: "Deseo deshacerme de ti"
Mover el abanico alrededor de la frente: "Has cambiado"
Dar vueltas al abanico con la mano derecha: "Quiero a otro"
Llevar el abanico abierto en la mano derecha: "Eres demasiado ferviente"
Mover el abanico entre las manos: "Te odio"
Entregar el abanico cerrado: "¿Me quieres?"
Mover el abanico alrededor de la mejilla: "Te quiero"

22/05/2008

Reflexões impróprias...



No poema de Cesário Verde - Avé-Marias - há uma frase que sempre me fascinou (...) Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O paradoxo introduzido pelo adjectivo «absurdo» exprime a inutilidade do «desejo» e confere-lhe uma ininteligibilidade na visão do próprio sujeito. Sendo o «desejo» uma vontade própria com vista à satisfação, torna-se incompreensível que se deseje «sofrer»; daí a existência imprescindível do «absurdo» que traduz o estado de espírito de alguém que, racionalmente, reconhece que é em vão sentir esse desejo mas que, irracionalmente, não é capaz de o evitar.

Num ou noutro momento da nossa vida, sentimos essa necessidade incompreensível e inútil de «sofrer».

Encontramos refúgio no autismo e na dissolução de laços afectivos e queremos romper toda e qualquer ligação com o mundo exterior, convencidos de que aí estará a solução dos nossos problemas. Sendo uma fase que nos permite «crescer» interiormente, se tivermos a experiência de vida e a sabedoria de nos recolocar no caminho certo, com ou sem ajuda de outrém, acordaremos um dia e veremos que a realidade, apesar de permanecer inalterada, é aquela que realmente desejamos e temos de enfrentar.
Quantas vezes nos deixamos abater pelas circunstâncias que nos parecem catastróficas e das quais achamos que não conseguimos sair?
Relativizar os problemas e criar prioridades, bem como distinguir o essencial do acessório, serão, provavelmente, os mecanismos ao nosso alcance que nos desvendam os mistérios da nossa existência.
Quando nos orientamos pela ambição de tudo querer num dado momento, aumentamos, na mesma proporção, o risco de tudo perder. Encontrar o equilíbrio e a estabilidade emocional pode resultar de um longo, mas necessário, sofrimento interior, pois, só assim se aprende a dar valor às pessoas ou às oportunidades que surgem na nossa vida.



Irene Ermida

Estamos sempre a aprender!


Vagueando pela rede de conhecimento que a internet nos oferece, aprendi hoje que o «cretinismo» é uma patologia! Convencida que estava que um «cretino» não passava de um indivíduo dotado de imbecilidade e de estupidez, foi com surpresa que me deparei com este novo facto.
Lidar diariamente com «cretinos» não é tarefa fácil e deixa-nos poucas alternativas: ou agimos com a indiferença proporcional ao grau, ou tentamos «salvar» esse intelecto do naufrágio iminente ou, simplesmente, acreditamos que existem como contraponto dos «inteligentes».
Tratando-se de «debilidade mental» ligada a doença, a solução talvez passe por encaminhar o caso para um especialista e esperar que o nosso contributo tenha consequências positivas na história da humanidade!

Façam o favor de sorrir...

Irene Ermida

20/05/2008

incursões medievais


Foto: Günter Griesmayr
na minha torre de menagem
sonhava defesas indestrutíveis

no meu abrigo fortificado
entre ameias e muralhas
sonhava solidões e indiferenças

inventei valas e fossos
construí pontes levadiças

envolta numa armadura de opaco nevoeiro
sobrevivi a batalhas e esquivei-me a flechas
resisti até aos limites da força

e... num minuto, fui cercada pelo luar
e as estrelas segredaram-me palavras...
soltas e demolidoras
que me catapultaram para fora de mim

desferem-me golpes e resisto...

afinal onde está a lua? - pergunto às estrelas


Irene Ermida

23/04/2008

sem título

...................................................

Há instantes que nos surpreendem pela evidência da mutabilidade e pela consciência de que a nossa vida se constrói na incessante passagem de etapas da vida dos outros.

...................................................


Irene Ermida

21/04/2008

Vidas à espera da morte



Site oficial

Poderia dissertar sobre os actores, a fotografia, a música, o guião... Mas nada disso faria sentido!

A dialéctica vida / morte é lugar comum em discussões, à mesa do café, pela noite dentro, quando a crise existencial nos bate à porta, sobretudo quando ainda jovens, não entendemos a razão pela qual a vida nos obriga a morrer. À luz de doutrinas filosóficas, de cariz mais existencialista ou mais teológico, discute-se o sentido, ou falta dele, de ambas, procuramos respostas para justificar, afinal, a certeza mais infalível que todos temos desde que vimos ao mundo!

A nossa visão da vida condiciona a aceitação ou a negação da nossa morte.
Há os que defendem a teoria do «consumismo» do tempo e vivem cada dia com a convicção de não acordar no seguinte!
Há os que defendem o «adiamento» da vida como se fossem donos do tempo!
Há os que injectam doses de trabalho nas horas para lhes sugar o tutano!
Há os que vivem alucinados pelo medo da morte!
Há os que vivem moribundos adiando um amor!
Há os que existem aprisionados ao passado!

Arrisco dizer que poucos são os que saboreiam a vida com serenidade e aceitam a morte com naturalidade!

Quando saí do cinema, ocorreu-me também escrever uma lista de coisas que quero ainda fazer: viajar na montanha russa, dar uma volta no carrossel, caminhar na praia sob a chuva, apreciar o nascer do sol, fazer um piquenique, rever o álbum de fotografias de família...

Mas dei comigo a pensar que, afinal, a vida, assim como a morte, são imprevisíveis!

14/04/2008

Interstício

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Existo no intervalo entre a tua chegada e a tua partida

na forma de me sentir mais eu junto a ti

nos braços que me rodeiam e me evaporam no vácuo

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Mensagens que dançam no silêncio do olhar

no espaço de um mundo renovado

em que a nossa trajectória ocupa o centro do universo

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O resto desvanece-se em sombras invertidas no espelho

de uma virtualidade oca e intrusa

à margem da nossa cumplicidade que sustém as lacunas

entre a tua partida e a tua chegada.

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Irene Ermida

08/04/2008

No cinema... sem pipocas!



Um filme que alia a simplicidade da vida e a complexidade interior do ser humano perante as circunstâncias que permanecem para além da sua vontade.
O crescimento interior do ser humano em contraponto com a cronologia dos acontecimentos extrínsecos.
Um Irão desmistificado pelos olhos de uma criança/adolescente/mulher que aprende com a avó o significado de «integridade».



Uma curiosidade: o filme foi proibido no Líbano.

Um outro olhar sobre este filme no «Charlas»

02/04/2008

Afluente


Foto: Rio Corgo, 03/04/2008


Sou um afluente que desagua em rio nenhum
numa viagem atribulada pelas margens da existência

a jusante de investidas impróprias e rutilantes
que desaguam numa foz inverosímil

Adormeço no leito de águas turvas, serenas

saboreando a essência da nascente
longínqua e consistente


Acordo na queda de águas revoltas e possantes
que me fixam no caudal que flui através de mim

Irene Ermida


31/03/2008

Permanências 3



Foto: http://www.palinchak.com/



permanece uma angustiosa inquietação

de traçar uma espiral tridimensional

que equaciona o campo das hipóteses

e exercita a razão geradora

de contradições do pensamento

que avança da afirmação da negação

para a caducidade do espírito

distende a resistência

e infere antíteses implícitas

em axiomas e regras que assolam as divergências

Irene Ermida

30/03/2008

Permanências 2



Foto: Jacob Lopes http://www.1000imagens.com/




permanecem o olfacto e o paladar

apurados pela ininteligibilidade

de aromas e de gostos imanentes

para além do tempo e dos sentidos obstinados

na procura pela extensão da memória

que evoca pedaços de vida e momentos efémeros

concentrados num odor de intenso sabor


Irene Ermida

Permanências 1


Foto: http://www.gorin-images.com/blog/


permanece clónico e hermético

o entendimento e a sustentação

de ventos que convergem no erro

numa ascensão de massas de ar

que se deslocam, perdidas, no universo

como se as palavras rudes

entretidas numa teimosia primária

projectassem sombras de ideias corruptíveis

e o Mundo Sensível nos condenasse

a uma pena perpétua de viver

Irene Ermida

26/03/2008

Sobre a hipocrisia


Lido mal com a hipocrisia. Quando a frontalidade é a regra número um do nosso estar no mundo, ficamos confusos e perplexos perante a desfaçatez com que algumas "pessoas" nos interpelam ou respondem.
As emoções que me assaltam nesses momentos são do mais primário que existe e é difícil manter o controlo! Nada melhor que um Xanax para evitar problemas maiores!

Ocorre-me o ensaio de Victor Hugo: »O Sofrimento do Hipócrita»:

Ter mentido é ter sofrido. 0 hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. 0 odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpétuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor. 0 verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se. 0 traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da enormidade. 0 hipócrita é um titã-anão.

24/03/2008

luta de vida e de morte

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"Possa ser espontaneamente realizado este desejo de coração,
A liberdade completa para todo o Tibete
Há muito tempo esperada".

Words of Truth, Dalai Lama
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de anátema impune

reveste-se a humanidade...

bélico sofrer de balas

que rastejam a dor de existir

trespassam a alma de um povo

votado ao crer

de ser

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Irene Ermida

23/03/2008

Garcia Marquez no cinema


Uma adaptação cinematográfica insípida. Distante do fabuloso ambiente criado pelo autor da narrativa, limita-se a uma história de amor banal.
A experiência literária é infinitamente mais aliciante!

Arte em Serralves


Foto aqui

Percorri, atónita, a exposição "Robert Rauschenberg: Em Viagem 70-76" patente no museu da Fundação de Serralves.
E fiquei a pensar: Afinal o que é a «Arte»?!

Continuei a visita à exposição "Júlio Pomar - Cadeia da Relação", que centraliza a acção nos trabalhos de colagem, "assemblage" e no confronto entre a tela crua e a cor.
Aos poucos, fui enredando-me numa lógica dominada por uma abstracção sedutora e envolvente espelhada em sensualidade e erotismo.

20/03/2008

Ainda a propósito...

Nos tempos conturbados pós 25 de Abril, apresentou-se na sala de aula a professora de Educação Visual. Filha da Directora que exercia funções à data e que representava o sistema autoritário do ensino tradicional, engenheira de formação, recentemente vinda de Lisboa, apresentou-se descontraidamente: «Chamo-me Marta e quero que todos me tratem assim e por tu» - disse, aos cerca de trinta alunos do então 7º ano do curso unificado, com idades na média dos 12 anos.

Chegada a casa, à hora do almoço em família, ingenuamente contei a proeza. O meu pai, na casa dos quarenta e com a quarta classe antiga, sentado à minha frente proferiu serenamente a sentença: «Ai de ti que eu saiba que tratas assim a professora!»

E seria a única a tratá-la por professora até final do ano.

Hoje penso: Se não tivesse acatado a ordem inequívoca do meu pai, talvez ele nunca tivesse tido conhecimento da minha desobediência, mas algo mais forte me impeliu a cumprir religiosamente a sua indicação!

Imbuída desse espírito, criei um filho, hoje em idade adulta. Nunca recebi uma queixa por falta de respeito de professor algum e sinto orgulho dos elogios que fui ouvindo ao longo destes anos a propósito da sua correcção e educação. Por vezes, dizem-me: tens muita sorte! Tive, de facto, mas foi com muito esforço que a procurei!

Irene Ermida

«Ó professora, será que eles têm pais como nós?!»

NOTA: Aqui esteve este vídeo
mas, mais do que as imagens, agora interessam as palavras.


Uma amiga falou-me há pouco deste vídeo. Recebi alguns e-mails dos quais constava o endereço electrónico, mas foi em vão que cliquei nos links, pois anunciava a sua remoção. Por mero acaso, acabei por encontrá-lo no blogue
De Rerum Natura
, quando menos esperava.

Ao visualizar estas imagens, fui invadida pela perplexidade e por uma vontade inexplicável de chorar, que me impedem de tecer comentários alongados.
A postura agressiva da aluna, os risos e comentários dos colegas que filmam, a idade respeitável da senhora professora...

De repente, recordo uma frase que uma antiga aluna me colocou, há cerca de vinte anos atrás, durante uma visita de estudo a Lisboa, durante a qual, infelizmente, nos foi dada a oportunidade de assistir aos insultos verbais de um grupo de pretensos skinheads, na estação de comboios de Oeiras, dirigidos a uma pessoa negra que se misturou connosco, a fim de se manter segura: »Ó professora, será que eles têm pais como nós?!»

Irene Ermida

19/03/2008

Labaredas 3



Foto: Palinchak Mikhail

o magma que permanece em mim

subitamente emerge

através das fendas vulcâncias

que me afastam dos rios e dos mares

nessa erupção sintáctica

revejo ancestrais demónios

em versos livres submersos

oscilo no relevo dos períodos e das orações

que, voláteis, explodem em efusivos sintagmas

e abrem crateras vazias de entendimento

alheios à fonética acústica

e enredados em enunciados fervilhantes.

Irene Ermida