«Sim, seria fascinante envelhecer ao teu lado. Mas, ainda assim, prefiro rejuvenescer ao lado de outra.»
Pedro Chagas Freitas
O que era, deixou de ser, se é que alguma vez o foi. Tudo estava em causa agora. Olhava-a mas já não via o brilho nem a graciosidade de outrora. Acordava a seu lado diariamente há anos e, de um momento para o outro, não encontrava nenhuma razão para isso. Sentia-se vazio. Faltava alguma coisa.
No seu grupo de amigos, ouvira falar da rotina e do desgaste das relações, do tédio e do desmazelo, da falta de amor e de paixão... mas sempre pensou que isso lhe passava ao lado. Eram banalidades. Estava bem com a família que tinha. Tudo estava no lugar certo. Não havia problemas, nem discussões. Tudo se passava segundo a ordem natural das coisas. Tinham os seus dias piores mas tudo passava.
E agora... de repente, sentia-se oco de sensações e sentia falta. De quê? De tudo! E não sabia como lidar com isso. Eram sensações e anseios contraditórios que o punham mal-disposto, resmungão, impaciente. É verdade que havia falta de atenção e afecto mútuo, mas compreendia as razões, pois, não só os filhos, mas também agora os pais de ambos, exigiam tempo e disponibilidade.
Queria falar-lhe de si, dos seus anseios e ansiedades, dos seus objectivos e frustrações... mas como? Não era só a falta de tempo, mas antes a barreira que se interpôs entre eles. Nada tinham a dizer um ao outro. Era como se o muro de Berlim tivesse mudado de sítio... via o que se passava do outro lado da fronteira, mas não podia agir.
Não, não queria pensar e esforçava-se por acreditar que tudo estava bem, porém, a inquietação aumentava de dia para dia. Tentou surpreendê-la de várias maneiras para se convencer a ele próprio de que era preciso fazer alguma coisa. Mas cada gesto ou acção distanciava-o cada vez mais de si próprio. Já não sabia quem era. Sim, era um actor a desempenhar o seu papel na perfeição.
Adormecia na expectativa de acordar no dia seguinte num cenário diferente. (...)
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