08/12/2006

(IR)realidades 2


Beverly Jean, Dancing in the Wind
A chuva intensa e ininterrupta que teimou em cair durante todo o dia, como se quisesse impor a sua presença até ao mais ínfimo recanto do corpo, eliminava a possibilidade de um fim-de-semana sem nuvens.
À noite, tentava demover-me de sair do aconchego do lar, mas a minha habitual teimosia venceu e lá fui jantar com as amigas. As conversas de sempre e sempre animadas… Não, não vou dizer os temas, seus/suas curiosos/as. Seguimos para o café-concerto, onde continuámos a nossa «cavaqueira» com mais umas amigas, saltando de tema em tema, ao sabor de uma descontracção própria de quem já tem uma semana de trabalho para trás.
De vez em quando, os meus olhos passeavam pelo exterior e, apesar do «barulho» dos sons emitidos por um pianista e um cantor convencidos do seu talento, ouvia a chuva lá fora. O vento embalava-a em movimentos firmes e oblíquos, numa dança contínua e sensual.
De regresso a casa, ainda sem sono, sentei-me em frente ao computador que, de há uns tempos para cá, ameaça não ceder à minha vontade e mantém-se por algum tempo impavidamente inerte… por fim, desiste da sua imobilidade, num gesto de condescendência, adiando a decisão definitiva para uma próxima vez. Verifico se há comentários no meu blog, abro os mails da longa lista que teimam em enviar-me.
De repente, um corte de luz! Mergulho numa escuridão silenciosa, apenas entrecortada pelos silvos da ventania enraivecida, como se um desgosto de amor a tivesse atingido como um raio e a dor fosse tão insuportável que, num impulso indomável, quisesse anunciar a quatro ventos o seu sofrimento.
Deitei-me e adormeci à luz das velas que espalhei pelo quarto, reflectindo sobre a dependência brutal que temos da energia e tentando imaginar a vida umas décadas atrás, em que essa necessidade não existia.
Acordei, passado algum tempo, pelo som de um silêncio surdo. Apaguei as velas. A natureza tinha vencido a sua agonia e dormia agora, cansada mas serena e confiante de que, no dia seguinte, a vida continuava.
Hoje o sol recompensou-a com o seu sorriso. Valeu a pena a tempestade.
«Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena».

1 comentário:

Maria Manuel disse...

Eu não fui suficientemente teimosa e fiquei dentro de portas. :-) Mas nem por isso foi possível sossegar. O choro sibilante do vento angustia-me, arrasta com ele, envolve-me em pensamentos deprimentes: os cinzentos da vida ficam negros, os problemas insolúveis e tudo ganha proporções gigantescas!!...

Ao que tem chovido, quantos Noés já terão preparado a barca?!
Irra!