05/02/2007

Cena(s) (sur)real(is) 1



Quem visita este espaço poderá pressupor que a autora não passa duma visionária letrada que, por mero entretenimento, se dedica a somar palavras pertencentes a diferentes categorias lexicais e a criar universos fictícios e por aí anda perdida...
Seria óptimo ter essa capacidade de flutuar sem nunca tocar com os pés no chão... é que, por vezes, há cenas da vida real que só deveriam acontecer no imaginário de cada um!

Hoje, na caixa de um hipermercado, aguardava a minha vez de ser atendida, quando a cliente seguinte começou a colocar os seus artigos no tapete, logo atrás dos meus.
A criança de cerca de 4-5 anos, em pé, no carrinho das compras, movimentava-se atarefada, ameaçando a qualquer minuto uma queda que lhe custaria no mínimo uns hematomas, e pedia repetidamente à mãe um chupa-chupa.
Esta recusava tal pretensão, argumentando pedagogicamente que lhe fazia mal à barriga, ao que acrescentei afavelmente: e aos dentes. O rapazinho olhou-me ferozmente, enquanto a mãe me retribuía um sorriso.
A insistência do pedido aumentou numa clara demonstração de que não iria ceder a tal táctica. E então, a mãe, após alguns segundos, propôs: queres um dvd ou o chupa-chupa? exibindo-o energicamente diante dos olhos da criança que, hesitante por breves instantes, aceitou a troca, ciente da vantagem do negócio.
Assisti muda e perplexa, imaginando um mundo de adultos escravizado por estes seres inocentes e maravilhosos...
Então, adivinhando os meus pensamentos e, não querendo deixar margem para dúvidas, este «micro-empresário» lançou: quero um chocolate!
A mãe, orgulhosa de ter dado à luz tal criatura com evidente capacidade de negociação, imaginando o futuro risonho de um potencial Belmiro de Azevedo (ressalvo as devidas distâncias), entra no jogo e responde mais uma vez negativamente, ameaçando com um possível desarranjo no organismo... Ele reitera o seu propósito, ela opõe-se... e, subitamente, eleva no ar não um, meus senhores, não dois, não três... mas o extraordinário número de cinco dvd's!!!
Desta vez, a criança não hesitou, esboçando imediatamente um sorriso triunfante, ao mesmo tempo que me dirigia um olhar digno de qualquer imperador vitorioso regressado de mais uma batalha!
Controlei a minha estupefacção, com receio de que tal aprendiz de mercador tivesse algum poder secreto, adquirido num dos filmes do Harry Potter e me transformasse repentinamente em abóbora!
Ainda pude observar a felicidade que a mãe irradiava, ostentando-a através de gestos de carinho, premiando o filho pela sua proeza!

8 comentários:

susana disse...

Tudo isso é verdade, eu que sou mãe que o diga! Só para não os ouvir ás vezes, dou tudo! Coitada a senhora, ficou-lhe caro o chupa e o chocolate!
beijos

jg disse...

O que vale, pois sou ferveroso adepto desta tese, é que elas cá se fazem e cá se pagam.
E esta mãe irá, certamente, ter uma conta de todo o tamanho a pagar.
Mais cedo do que o que julga!!!

Irene Ermida disse...

a missixty
também sou mãe de um rapaz de 18 anos que, felizmente, tem sido motivo de orgulho a todos os níveis; as minhas amigas brincam comigo e por vezes dizem que não o mereço! mas considero que, apesar de alguma rigidez desde o berço, contribuí para que ele seja o que é hoje: alguém responsável, com uma forte personalidade e, sem dúvida, o meu melhor amigo, confidente e companheiro desde sempre!

Irene Ermida disse...

a jg
terá, sem dúvida... e os futuros professores também!
se bem que, hoje, por vezes, penso que podia ter sido um pouco mais benevolente com o meu... ainda me pesa o coração quando recordo as vezes em que lhe disse «não» e via aqueles olhinhos tão conformados fixarem-se no chocolate, ou no jogo, ou no brinquedo...
mas por incrível que pareça comprei-lhe sempre os livros que me pedia e ainda hoje é assim!

Irene Ermida disse...

no sábado ouvi na rádio uma intervenção do Daniel Sampaio que versava sobre a falta de autoridade dos pais... dizia ele que os pais não devem exercer o autoritarismo, mas sempre a autoridade;
acrescentava ainda que nunca se deve premiar uma criança por algo que é da sua obrigação fazer, como por exemplo, estudar...

Irene Ermida disse...

ah, para que conste: ao passar na caixa, o alarme tocou, provocando um rubor na minha face, mais pela perplexidade reprimida até esse momento, do que por qualquer outra razão; lá tive que passar duas vezes, com e sem carteira, até a caixa ficar convencida que não possuía nada que não fosse meu!!! ainda gracejei: deve ser electricidade estática!!!
estas criaturinhas têm mesmo poderes especiais!!!

Anónimo disse...

O que a Irene presenciou, infelizmente, não é tão raro assim.
Transporte isso para uma sala de aula, multiplique por 25 e imagine o cenário.

Anónimo disse...

Linda a fábula (rsss - sim, daquelas que as pessoas contam aos animais), a que nos trazes hoje. É bem um retrato da nossa sociedade actual. Para onde vão os nossos "filhos" assim educados. Que desperdício. Que pena.