Não, não me expliques
a sucessão dos tempos
e o porquê de os dias serem breves.
Conta-me antes em segredo
todos os segundos longos
em que as nossas mãos se entrelaçaram
e os nossos corações bateram juntos,
como se a Eternidade fosse assim
o estarmos um no outro
absortos e isentos
de tudo o que há para lá de nós.
Não me expliques
as grandes migrações dos animais
a beleza breve das borboletas
a fala das baleias
ou a serena inteligência dos golfinhos.
Porque tudo o que me interessa
está aqui,
no espaço imenso
que separa os nossos lábios quentes.
Quero que me digas
que nada sabes de semântica, filosofia
ou tragédias gregas,
e que tudo o que tu és
se resume ao que nós somos
mesmo que consumidos na fogueira roxa
dos nossos exteriores inúteis.
Quero que me mostres
tudo o que mais amas
nas mais simples coisas e nas antigas artes
para que os dois façamos, juntos
o inventário curto desses adereços gastos
com que a nossa peça sobe ao palco.
E assim recriarmos em nós
num egoísmo imenso e único dos dois,
um mundo novo e pequeno
feito nosso sonho de grandeza sábia.
Faz por ignorar em ti,
tudo o que sabes
sobre as bíblicas origens do mundo,
o big-bang,
e a expansão contínua
do nosso Universo encolhido.
Tudo não passa de espasmos neuronais
de quem não ama o que está perto
e que consome as suas seivas
a apalpar o que não sente.
Ninguém pode amar o Cosmos.
Ninguém pode amar o que não sente.
E nada se compara ao Universo imenso
que somos tu e eu.
E repara que nele cabe
tudo o que há para descobrir,
ainda que nada saibamos
do seu início ou fim,
e só os dias de hoje sejam nossos.
Não quero que me expliques nada mais
sobre o papel do Estado-Providência
na cidadania
e na leveza da justiça vã
que se esgota às mãos dos pesados homens
que nos regem.
O único direito que reconheço
como válido e suficiente,
é o direito ao Amor,
a amar e ser amado.
Eis o que nos resta
sem descanso nem cansaço, acumular,
por cima de todas as inutilidades
que somamos,
nestes dias tristes de longas noites
que antecedem o Natal cantado
de pescoços tesos e gargantas secas.
Diz-me isso sim,
porque me interessa viajar
e sair deste berço azul que me foi quente
para sentir as luas e o sol diferente
que pousam perto dos olhares amenos
daqueles que por lá nos acham estranhos
mesmo sem saber porque o somos.
E mais ainda, torna omisso em mim
tudo o que não quero ser
ou o que sou por acidente,
e a tatuagem gorda e ampliada
do meu guru de infância, rejeitado.
Tudo o mais, para além de ti
É o que não quero.
Não me expliques porque há portas e janelas.
Abre as portas que fechei por distracção.
Fecha as janelas que abri por lassidão.
Rasga-me os horizontes
dissipa-me os nevoeiros
agita-me as águas paradas
refresca-me as areias mortas.
Os cegos só querem ver
porque isso é tudo o que lhes falta
para além do pouco que lhes resta.
Não têm precisão
de explicações nem teorias
sobre as razões porque não vêem
ou passaram a ver.
Tudo o que precisamos
é de amar e sentir.
Não de razões para amar e sentir.
Deixemos essas coisas fúteis
para os cegos do espírito
que não podem amar e sentir.
E mesmo desses nada restará de bom,
porque tudo o que de bom resta
foi feito por quem amou e sentiu
profundamente.
(*) Inspirado no título de uma canção (“Don´t explain”) de Billy Holiday, que amou e sentiu como ninguém
António Pinheiro