25/07/2007

acrobacia(s) 2

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atrevida...
lanço o olhar
para horizontes esquecidos

numa vertigem abro os olhos
com brilhos nítidos e explícitos
dou corpo à voz
que, em vogais abertas
define o timbre
e em tónicas a intensidade
articulo preposições
contraídas com artigos
que rasgam histórias vividas
e renovam interjeições
há tanto refreadas
de emoção natural
a frase exclama prazer
adornado de sorrisos
como flores viçosas
que entoam baladas
e me acordam em ti

17/07/2007

Partir e ficar

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Na véspera de uma viagem sofro de um síndrome de querer-partir-querer-ficar. Adio os preparativos até ao último momento. Invento compras de última hora, desculpas que me falta isto e aquilo, elaboro listas do que preciso de levar, enfio no saco, tiro do saco, ligo a A ou a B, digo que já não me apetece ir, que a viagem vai ser cansativa, que da próxima faço de outra maneira, não durmo com medo de não acordar.
Saio daqui a cinco horas e lá vou rumo a Parc national d'Aigüestortes et lac Saint-Maurice.
Mas, desta vez, não queria ficar nem partir, queria só que já tivesse passado...

Escolha ou destino?

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Foto: Caminha, 27 de Julho


Conta-me sempre a mesma história, todos os anos, neste dia 16. Fui para a praia e andava muito bem, até molhei os pés. As águas rebentaram e no regresso a casa, o teu pai levou-me à clínica. O médico já não queria deixar-me sair mas eu pedi-lhe que me deixasse ir a casa buscar a roupa. E lá fui. E por lá fiquei, convencendo o teu pai e os teus tios que não era ainda a hora, que das outras vezes não tinha sido assim. E só ias nascer em Agosto! Às cinco da manhã caí da cama e não reprimi o grito. Todos acordaram. Foram buscar o médico. A tua tia foi a parteira. Quando o médico chegou já tinhas nascido.
Ninguém me tira da ideia que escolhi a terra para nascer, aproveitando as férias dos meus pais em Caminha!

13/07/2007

acrobacia(s) 1

circense...
mantenho o equilíbrio
a alturas distantes da ordem

numa vertigem fecho os olhos
à esquerda e à direita
num fio da navalha
de dentro de fora
de perto de longe
de tempos a tempos
de muito de pouco
de tudo e de nada
num desafio a limites e a regras
medievais ou barrocas
às claras e às escuras
a torto e a direito`
de manhã e à noite
em contramão e veloz
transfiro-me
desconjunto-me
desarticulo-me
desmancho-me
em acentos e em sílabas
porque não dói cair
o que dói é
manter o prumo

11/07/2007

Página 161

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Foto: Marcus Lindner http://www.ars-erotica.org/


«No entanto, não extraía dessa conclusão teórica forças suficientes para fazer o que ardentemente lhe exigiam reaparecidos instintos: passar a ponta dos dedos pela acetinada pele, poisar os seus lábios matrimoniais sobre aquelas colinas e ribanceiras que antevia tépidas, odorosas e de um sabor no qual o doce e o salgado coexistiam sem se misturarem. Porém não lograva fazer nada, petrificado pela felicidade, excepto olhar e olhar. Depois de ir e vir repetidamente da cabeça aos pés daquele milagre, de percorrê-la uma e outra vez, os seus olhos imobilizaram-se, como o requintado provador que não precisa de continuar a degustar pois identificou o non plus ultra da adega, no espectáculo que só por si constituía o esférico traseiro.»

in Os Cadernos de Dom Rigoberto de Mário Vargas Llosa / Mario Vargas Llosa

Publicações Dom Quixote

08/07/2007

Blues do outro lado do Atlântico

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A noite adivinhava-se mais fresca que na véspera e o calor da voz e da presença de J. J. Jackson no palco exterior do Teatro de Vila Real prometia elevar a temperatura. E assim foi. Ao ritmo de blues e de outros sons contagiantes, o público teve oportunidade de experimentar um belo espectáculo!


Densidade(s) 3

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Foto: www.odeoda.com


curvaturas esdrúxulas

incidem em esferas de espelhos

sonoras e brilhantes

desato os atilhos das convenções

que oprimem explosões de lágrimas

cambaleio

entre aspas e reticências

numa ilusão suave e intensa

de um querer interrogativo

aposto de exclamações

finais

sem quanto sem quê sem qual


04/07/2007

Densidade(s) 2

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http://www.photoforum.ru/photo/339366/index.en.html



subconscientemente

avancei a preto e branco

entre pétalas insolentes e insólitas

de sempre sem nuncas

atrevi-me em agoras e provei um antes

arrisquei um aqui depois

e algures comprimi imagens

substantivas

de tanto que nem sei


Densidade(s) 1

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embrulho-me em papel de jornal

e resisto a anúncios descarados de mortes e sexo

delineio contornos com o indicador negligente

pela figura colorida de desejos e de momentos

entrego-me a viagens, desamparada

e num silêncio lento e denso

emudeço