27/12/2007

Rotação 3



Rodopiam albatrozes no ar...
circulam nas ondas rasgadas de espuma
e viajam por longas distâncias:
atrás, deixam o sabor agridoce do passado
povoado de ténues memórias
da respiração arfante de crianças
presas à voz grave que se solta em gargalhadas
envolvem-se no mistério de uma porta que se abre
e dela surge, repentina, a figura amada
e há tanto desvanecida dos olhares fixos no mar

20/12/2007

Rotação 2




giro à volta do eixo imaginário
de presenças vazias de sentido
que movem raízes de si
sem saberem
e partem...
delas reconheço esboços de uns
e de outros sem tacto
que se baralham nas luzes da cidade
e não são quem eram
mas eram trindades unívocas
antes de tomarem novas rotações
patéticas e embaladas em alvoroço
- denunciam ausências arriscadas
de quereres perdidos para sempre

16/12/2007

Rotação 1



colhida pela intempérie de luzes
esvoaço pelas solidões alheias
enclavinhada em vectores inscientes
que rejeitam formas incisivas
de boatos e rumores anacrónicos
e presa à rotação insolúvel das imagens
prescindo da força centrífuga
que irradia a cor ténue da palavra
e extrai fantasias desenhadas a carvão
de jazigos encerrados pelo tempo

de livres associações
combino sentidos e figuras
que se fundem numa alquimia
de afectos intensos e vorazes

04/12/2007

Paris





Paris com chuva, frio e vento...
Paris, com o sol tímido a romper por entre as nuvens e a teimar mostrar a sua exuberância, o seu encanto, a sua luz, o seu mistério, o seu romantismo...
Paris, trespassada por cores e por música... por pessoas oriundas de todos os cantos do mundo... por cheiros e por vozes...


Uma viagem a Paris devia fazer parte do currículo escolar! Em tenra idade, mas já suficiente para compreender o mosaico multi-facetado em que vivemos.
Aprender a sentir, a ver, a ouvir, a cheirar, a rir, a compreender, a aceitar, a amar!
E, de quando em vez, revisitá-la para não esquecermos...
Relembrei e descobri Paris diferente.

.

27/11/2007

Recessão (3)

Rasgo lágrimas de papel
de invernos distantes
retidas no lastro da lareira
consumida pelo tempo
recuo por trilhos de serenos olhares
que me afagam os cabelos
eivados de ternuras avoengas
e pinto mãos enrugadas e calosas
nas paredes de casas fantasmas
percebo sorrisos remotos
que embalam sonhos e premonições

20/11/2007

Recessão (2)

e criança brinco
com palavras perdidas
da infância extraviada
no tempo devorado
por idades remotas
sem rugas sem gelhas
que atenuam a cor
e a dor aparente
dos anos implacáveis
desperto em nevoeiros
e elevo-me na atmosfera
condensada de raízes
sem sementes nem embriões
suprimida por impotência
da natureza e da matéria

11/11/2007

Recessão (1)

sem esquadria desenho fusos horários
que me transportam tímida
por décadas, séculos, milénios
sem causalidade aparente
viajo à velocidade da luz
e mergulho em tempos remotos
de fantasias medievais
ou de festins romanos
recuo a épocas de grutas
e descubro o fogo hipnótico
que me devora numa combustão
interminável
e desfaleço em labaredas
e converto-me em cinzas

04/11/2007

Tempo de pintura...

Mais por curiosidade do que por preferência lá me decidi a ir espreitar a exposição de Salvador Dali, no Palácio do Freixo, na véspera do último dia.
Cheguei tarde e aguentei o frio que caiu após um dia de sol que se recolheu sem avisar.
Enquanto esperava na fila, pude observar o movimento das pessoas que se deslocavam lentamente e aos soluços, percorrendo o perímetro do átrio dessa bela casa, um exemplar magnífico da arquitectura solarenga portuense, que remonta ao século XVIII, em estilo barroco, da autoria de Nicolau Nasoni. Tentei, para me distrair e divertir, mudar o rumo da fila que seguia atrás de mim, dando uns passos mais à direita. Pouco consegui, mas confesso que não me esforcei muito.
Já lá dentro, pude apreciar o calor que aquelas paredes ofereciam aos visitantes, além dos interiores ricamente revestidos.
Não me seduziram as sequências de litografias ("Bíblia Sagrada", "Gargantua e Pantagruel" e "Fausto"), exceptuando uma ou outra. O mesmo não posso dizer das esculturas que, até ao momento, nunca tinha tido oportunidade de ver. Fixei em especial "Mulher Nua Subindo a Escada" que me atraiu pela simplicidade de formas e pelo movimento de ascensão que expressa.


Registei a inabilidade dos visitantes que observavam as obras expostas a vinte centímetros de distância, como se as fossem devorar a qualquer instante e impediam a visão sequencial e global da obra. Enfim...opções (?!)

Foto: http://jpn.icicom.up.pt/

Tempo de cinema...

Vi «Elizabeth - The Golden Age», um filme alheado de factos históricos enfadonhos. A personagem, interpretada por Cate Blanchett, revela uma rainha dotada de força e de coragem, que menospreza a sua condição de mulher para dar lugar à sua figura de estado, amada pelo povo, e condenada à solidão do poder.




Elizabeth The Golden Age

30/10/2007

Andei em mudanças

Há fases
de distracção
de reflexão
de tédio
de euforia
de falta de tempo
de excesso de trabalho
de desmotivação
de insatisfação
de compensação
de alegria
de amor

por tudo isso, ou por, mais ou menos do que isso,
tenho andado distraída com este blogue
havia toques de rotina, de «sempre igual»

lia os comentários interessantes
mas uma inércia impedia-me de responder
peço desculpa

até que

decidi mudar a aparência
o que me deu algum trabalho sem dúvida
mas gosto
agora gosto do que vejo
assim um cinzento que ofusca
e que projecta as palavras cintilantes

a fotografia...é a calçada da estação do caminho-de-ferro do Pinhão
onde fui passear com o meu mais-que-tudo
num lindo dia de sol...

e sobre tudo e ou nada se escreve
assim sem regras nem sintaxe...

28/10/2007

Intervalo(s) 3

recolho-me no abrigo de espectros
invisíveis a desejos de carrascos
que esbatem sombras de aves
loucas de voos agrestes e desabridos

apago-me em teorias de probabilidades
que arrastam hipóteses alienadas
de conceitos e de funções
por cima das ondas que entoam melopeias
que me aconchegam o olhar

Intervalo(s) 2

incorro em blasfémias e ironias
porque de mim não quero ser
apenas pintura figurativa

cometo delitos puros de intenções
e desenho identidades triangulares
limitadas por circunferências presumíveis
que arredondam formas sequazes
de corpos esbeltos

23/10/2007

Intervalo(s) 1

atento nos sinais ténues da mudança:
flutua uma nuvem que abraça o mar
e mergulha na profundidade de transparências
indomáveis e revolvidas

habito território bravio
e altero pigmentos na superfície espessa
de textura insurgente e suave

irradio brilhos e contrastes
em projectos de matizes oníricas
que me acordam tranquila

22/10/2007

«Crianças Invisíveis»


"Crianças Invisíveis" (2005)é uma colectânea de sete curta-metragens realizadas por cineastas de diferentes nacionalidades, que narram histórias sobre as condições de
vida das crianças que habitam na região de onde são originários, expondo uma realidade cruel e desumana que faz delas uns heróis.
Impressionou-me a força de viver, a capacidade de sobrevivência e a coragem de enfrentar os obstáculos. Fez-me pensar nas preocupações ridículas que atormentam as nossas tão vulgares existências. Perto destas crianças somos meros transeuntes da vida!


Mehdi Charef, conta a história de Tanza, um rapaz de 12 anos que se alista num exército de lutadores pela liberdade.

Emir Kusturica, escolhe para título do seu segmento Blue Gypsy, que conta a comovente história de um jovem cigano.

Spike Lee apresenta Jesus Children of America, que retrata a luta de uma adolescente de Brooklyn que descobre ser a filha seropositiva de um casal de toxicodependentes.

Katia Lund, em Bilu e João, retrata um dia na vida de duas crianças que não se resignam às adversidades, nas ruas de São Paulo.

Jordan e Ridley Scott co-realizam Jonathan, que descreve a vida de um repórter fotográfico, que regressa à infância para escapar ao sofrimento pessoal.

Stefano Veneruso em Ciro leva-nos aos bairros pobres de Nápoles para assistirmos à história de um jovem a viver entre o crime e as brincadeiras próprias da sua idade.

Com John Woo viajamos até à China com Song Song e Little Cat, e descobrimos a vida de duas crianças - uma órfã pobre e uma jovem rica, mas perturbada.

14/10/2007

«A Terra antes do Céu»

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Assisti, sexta-feira, no pequeno auditório do Teatro de Vila Real à ante-estreia do filme de João Botelho.

Um Torga cheio de música, de olhares diversos, de palavras, de silêncios, de forças ocultas da terra e de imagens filtradas pelos sentidos individuais...
Um filme de autor que penetrou no universo torguiano de forma singular mas poderosa.
Muito mais haveria a dizer sobre o que vi mas, perante obra de arte de tal dimensão, recolho-me a um silêncio feito de admiração.
Advertência: incompatível com ambientes "pipoqueiros", como, aliás, o próprio realizador referiu.



Distância(s) 3

.

percorro a carta topográfica de sorrisos
envoltos em acidentes geográficos
que determinam o perímetro da inconsciência
e revelam audazes distâncias e ângulos
de um sentir saudade sem tamanho
sem fio de prumo credível
sustento olhares indiscretos de razões verticais
sem nível estável
espalho-me numa horizontalidade de solvências
e recordo infâncias alheias como se de mim
fossem outros a quebrar silêncios


.

08/10/2007

Distância(s) 2

.


parto sem quadrantes, nem astrolábios, nem balestilhas
sem coordenadas geográficas irrompo
por entre jardins de tulipas roxas
e esquivo-me para refúgios gerados em ventres férteis e frondosos
reduzidos a escalas celestes e universais
descanso na rosa-dos-ventos que aponta a direcção
para infinitos afluentes de qualquer lugar
sem patamares e sem razões



.

Distância(s) 1


.

Concebo um mapa de distâncias ausentes
entre penumbras e luzes que se aconchegam
no rosto de versatilidades dormentes
em segmentos de metáforas sincopadas
traço longitudes melancólicas entre pontos imaginários
estabeleço um meridiano perpendicular a pólos
sem norte sem sul
esboço um equador de intersecções abstractas
e de hemisférios inseparáveis
onde a realidade é aquilo que quero.


03/10/2007

O Lobo Antunes de sempre

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Hoje fui visitar alguns blogues que fazem parte da minha lista de preferências. Não tenho tido tempo para me dedicar à leitura, à divagação, à observação, à escrita.
Tenho sido engolida pelo tempo, esgotado entre ritmos alucinantes de trabalho... mas hoje, sentei-me diante do monitor e deambulei um pouco por aí. Descobri no Absorto um link para uma entrevista do António Lobo Antunes ao DN, (DN continuação) de um interesse notável. Desde sempre que admiro a personalidade intempestiva e de uma rebeldia serena deste escritor.
A entrevista, valorizada pelo conteúdo das respostas em detrimento da qualidade das perguntas que só alguém como A.L.A. consegue com uma habilidade intelectual e riqueza interior, surpreendeu-me linha a linha.

«Há zonas em mim que desconheço, portas que nunca abri e que, no entanto, aparecem nos livros e provocam-me uma certa perplexidade ao querer saber de onde é que isto vem, de que profundidades nossas, que todos temos.»

Na Visão Online podemos ouvir e ler mais...


30/09/2007

Um saxofone com vida

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Foto: http://web.mit.edu/newsoffice/2005/mardi-gras-1102.html

Inserido na programação do Douro Jazz assisti, ontem, ao concerto de Donald Harrison, acompanhado pelos músicos portugueses Bruno Santos na guitarra e Filipe Melo ao piano, e ainda Bernardo Moreira no contrabaixo André Sousa Machado na bateria.
Apesar do cansaço provocado por uma longa e árdua semana de trabalho, não resistindo a fechar os olhos uma vez por outra, apreciei os sons retirados do saxofone com alma e coração. Sim, porque a alma existe só e apenas na música. É a conclusão a que cheguei no final do concerto.


23/09/2007

«Um Poderoso Coração»


A sinopse, lida na pausa de um café, aliada ao título sugestivo, prometia cento e dez minutos cinematográficos empolgantes. Sem pipocas por perto, assisti ao desenrolar da história do desaparecimento do jornalista do Wall Street, Daniel Pearl, interpretado por Dan Futterman, no Paquistão em 23 de Janeiro de 2002. Quando se propunha realizar o seu trabalho de investigação de pistas sobre o 11 de Setembro, a morte por decapitação põe fim aos seus dias, deixando uma viúva grávida de seis meses, interpretada (e mal, a meu ver!) por Angelina Jolie.

Um Coração Poderoso, realizado por Michael Winterbottom, poderia ser um bom filme, mas, a meu ver, reduz-se a uma perspectiva monocular da verdadeira história que, por si só tão dramática quanto real, poderia servir para explorar outras sendas políticas e revolver consciências.

22/09/2007

IMPOSTOS p'ra que vos quero!!!

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Utilização da imagem devidamente autorizada pelo autor.
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A criatividade gráfica sobre os impostos que o adesenhar demonstrou, inspirou-me uma curta e leve reflexão...


IRS - subtraem-me automaticamente 571€ do meu vencimento mensal (em 14 meses)... e fico sempre a pensar:
- irá para pagar as pensões dos idosos que, com pouco mais de 50 anos, se levantam às 7 da manhã, fazem exercício físico, passeiam pelos jardins, tomam café com os amigos/as, viajam por esse mundo fora, sustentam os filhos e os netos (porque o dinheiro não lhes chega, pois, por sua vez, pagam impostos, o LCD, o veículo topo de gama, o infantário, o Instituto de Inglês, a natação, as aulas de música, os vídeojogos, o telemóvel deles e dos filhos) ...
- ou para as pensões dos idosos indigentes e doentes que recebem uma ninharia?
Penso também: a que grupo pertencerei daqui a 20 anos?! Por este andar certamente ao segundo. É que nessa altura não haverá nenhum otário a pagar a minha reforma!

IRC - era o que faltava... não pago! não sou pessoa colectiva... por enquanto... sei lá...

IVA - indirectamente em tudo... no papel higiénico, no leite, no cinema... (há que poupar na higiene, na alimentação, na cultura!)

IMI - em 2 anos 900,10€ directamente para o município... (quem me mandou a mim confiar no representante da imobiliária que me garantiu ter pedido a isenção?!)

IMT - Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (conheciam este?! se venderem ou comprarem um imóvel vão descobri-lo!)

IMV - 50,29€ pago em 31 de Julho... acrescido ao imposto que, sem sequer darmos conta, pagamos na gasolina...

Habitualmente ando distraída com as contas... mas há tempos reparei por mero acaso que desde Abril de 2005 a prestação do meu apartamento aumentou 265€... (pouco menos do dobro que pagava no início!). A este ritmo, não tarda a que a placa "VENDE-SE" esteja colada na minha varanda e seja mais uma a enfeitar o prédio de 9 andares em que moro! O problema será arranjar um comprador que ganhe mais do que eu e que pague menos impostos!


Isto tudo reduz-me à grandeza dos números e à insignificância do esforço com que diariamente exerço a minha profissão, luto por ideias e acredito ainda ... ... ... (em quê?!) Agora, juro, fiquei sem palavras!
Mas não há crise nenhuma! Não fiquem com uma ideia errada! Isto é só um problema pessoal, ou nem isso, pois não havendo solução à vista, deixa de ser problema! A comunicação social dá-nos conta diariamente dos avanços que o país tem realizado.

Um àparte: o marido de uma funcionária lá do sítio onde trabalho, com 52 anos, recebeu um computador portátil como prémio por ter concluído o 6º ano em pouco mais de dois meses (pobre do filho que não tem a mesma oportunidade e se mata a estudar!)!!! Não sabe é trabalhar com ele... pois o emprego que tem ainda não está ajustado a essa necessidade... mas certamente será para breve que baste teclar «rede de saneamento» no seu portátil e todo o concelho fique servido eficazmente!


Sugestão


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Espreitei o adesenhar e descobri isto.

Sigam as pistas e aproveitem o fim-de-semana
para mudar a rotina
e ganhar novas energias para a semana.
Visite também Os Dias da Criação 2007.

Fuego (3)

.

num jogo
de sombras e de labaredas
de mãos e de olhares
divago e perco-me
em ti
por fora por dentro
arrasto-te
corres nas minhas veias
em permanente combustão

Fuego (2)

.

ardo na tua boca
e no insenso que nos amanhece
sem pudores de inverno
tirito de calor
numa onda que invade os sentidos
insensatos e alienados
visto-me para ti
de cores vermelhas
e de excepção coberta

Fuego (1)



adormeço em ti
entre o branco dos lençóis de linho
bordados
de sonhos e de desejos interditos
sem temores
as dermes rubras
cruzam-se
num contínuo fluir
d'estremecimentos

Abreviatura(s) 3

.


é um acento grave
que me adormece
e me acorda
em rotineiros costumes
(de rotinas perdidas)

impassível
parágrafo da vida
que me agrilhoa
no tempo e no espaço
pontilha as horas
e os adjectivos
entre um e outro ditongo
e resvalo para o rio
sem translineação
nem ancoradouro.


.

13/09/2007

Novos Talentos

.

Update: Apresentação Lisboa

Houve alteração da hora e local da apresentação, em virtude do agendamento do jogo Benfica- Sporting para aquela hora.

Assim:

Apresentação pública de Versos Nus, em Lisboa, no dia 29 de Setembro:

16 horas

Magnolia Caffe - Praça de Londres

Metro mais próximo: Campo Pequeno - (linha amarela)



Não me recordo como foi... vagueei pela blogosfera e encontrei- o, achei interessante o que vi e coloquei o link na barra lateral.


Na entrevista ao autor podemos descobrir mais...
O lançamento do livro de Tiago Nené será em Lisboa, no
Onda Jazz pelas 19:30 do dia 29 de Setembro.
Uma capa expressiva que sugere um «miolo saboroso» .
Votos de muito sucesso!

02/09/2007

Abreviatura(s) 2

.

palavras nutritivas
dão alimento à fome de viver
enquanto
silêncios abstractos
tonificam sonhos musculados

versos por rimar
(porque em rimas não respiro)
toldam razões e tensões
conquanto
o trilho mais perceptível
recebe passos abertos
incondicionais
sem peso nem medida


.

01/09/2007

Abreviatura(s) 1

.

escrevo uma abreviatura
solta,
sem rima nem ancoradouro

navego pelo alfabeto
fosforescente,
e aconchego-me na caligrafia
ondeante,
que me mantém
permanentemente
em combustão
no cais de intemporal chegada

28/08/2007

... da água

.

Foto: Porto Covo, 20 de Agosto

regresso ao recôndito e ao esquecido
adormecido
evoluo... (as têmporas latejando)
e a areia desenha um coração

sorrio ao céu que me afaga
e me atira raios de sol
renasço nos rochedos submersos
parida pela água salgada

monto no cavalo marinho
que me ofereces
e alada voo
nas ondas do teu sonho
acordado em mim


26/08/2007

uma troca de olhares felinos...

.

Foto: Caminha, 28 de Julho


fitou-me... fitei-o...

íris verdes (... traição?!)

e castanhas ameladas (... leais!)

fundiram-se por instantes

numa desconfiança mútua

suavizada pela imobilidade que,

recíproca, nos surpreendeu.


14/08/2007

Sem peias...



Porque há textos que valem a pena serem lidos e divulgados!
Porque Torga, escritor genial, alheio às comemorações do centenário do seu nascimento, merece!
Porque há quem saiba entender a sua intemporalidade:
Parabéns à autora!

09/08/2007

Parque Natural de Aiguestortes y Estany de Sant Maurici.



Impressões de uma viagem:

Mais perto do céu, a noite é mais escura e as inúmeras estrelas brilham com mais intensidade...

A água gelada e cristalina segue o seu curso selvagem ao sabor de desejos inconfessáveis das pedras que a acariciam...

Verde é a paisagem que, a perder de vista, entre vales e montanhas, nos faz sentir tão insignificantes...

Sensações acentuadas por risos, música, aventura, espírito de colaboração e de comunhão com a natureza que, num gesto de humildade, se nos oferece com toda a sua imponência, apesar de tão frequentmente maltratada pelo ser humano...

05/08/2007

Bordertown não é só um filme...

.

«Bordertown - Cidade Sob Ameaça», não é um filme; é uma denúncia que traz à luz um cenário de morte e de medo, vivido por centenas de mulheres que trabalham nas Maquilas, fábricas mexicanas instaladas ao longo da fronteira com os EUA, e onde se procede à montagem de aparelhos electrónicos para o mercado americano.
Um filme recomendado pela Amnistia Internacional, que nos obriga a reflectir sobre esse submundo de produção desenfreada para atender a interesses económicos à custa do sofrimento humano.





acrobacia(s) 3

.

extática...
abro portas e sorrisos
de moradas esculpidas por magia

numa vertigem entreabro os olhos
e por acasos atravesso mundos
indefinidos e enigmáticos
que se estendem rubros e dóceis
adiante e algures de tempos
riscados em céus por estrelas
e borboletas de vidro
sem ventos que me levem
entrego-me sem parêntesis
nem todavia mesmo assim
a partilhas de tudo e nada
sem razão nem algo
que me acorrente a reticências
ou a palavras tolas e vãs
vibro num ocaso que nasce
e aquece após e antes
até insondáveis sem fins
que invento em ti

04/08/2007

Para pensar e não esquecer

.

Em descanso mas não distraída... É importante que façam pausa na música de fundo do blogue.

25/07/2007

acrobacia(s) 2

.

atrevida...
lanço o olhar
para horizontes esquecidos

numa vertigem abro os olhos
com brilhos nítidos e explícitos
dou corpo à voz
que, em vogais abertas
define o timbre
e em tónicas a intensidade
articulo preposições
contraídas com artigos
que rasgam histórias vividas
e renovam interjeições
há tanto refreadas
de emoção natural
a frase exclama prazer
adornado de sorrisos
como flores viçosas
que entoam baladas
e me acordam em ti

17/07/2007

Partir e ficar

.

Na véspera de uma viagem sofro de um síndrome de querer-partir-querer-ficar. Adio os preparativos até ao último momento. Invento compras de última hora, desculpas que me falta isto e aquilo, elaboro listas do que preciso de levar, enfio no saco, tiro do saco, ligo a A ou a B, digo que já não me apetece ir, que a viagem vai ser cansativa, que da próxima faço de outra maneira, não durmo com medo de não acordar.
Saio daqui a cinco horas e lá vou rumo a Parc national d'Aigüestortes et lac Saint-Maurice.
Mas, desta vez, não queria ficar nem partir, queria só que já tivesse passado...

Escolha ou destino?

.

Foto: Caminha, 27 de Julho


Conta-me sempre a mesma história, todos os anos, neste dia 16. Fui para a praia e andava muito bem, até molhei os pés. As águas rebentaram e no regresso a casa, o teu pai levou-me à clínica. O médico já não queria deixar-me sair mas eu pedi-lhe que me deixasse ir a casa buscar a roupa. E lá fui. E por lá fiquei, convencendo o teu pai e os teus tios que não era ainda a hora, que das outras vezes não tinha sido assim. E só ias nascer em Agosto! Às cinco da manhã caí da cama e não reprimi o grito. Todos acordaram. Foram buscar o médico. A tua tia foi a parteira. Quando o médico chegou já tinhas nascido.
Ninguém me tira da ideia que escolhi a terra para nascer, aproveitando as férias dos meus pais em Caminha!

13/07/2007

acrobacia(s) 1

circense...
mantenho o equilíbrio
a alturas distantes da ordem

numa vertigem fecho os olhos
à esquerda e à direita
num fio da navalha
de dentro de fora
de perto de longe
de tempos a tempos
de muito de pouco
de tudo e de nada
num desafio a limites e a regras
medievais ou barrocas
às claras e às escuras
a torto e a direito`
de manhã e à noite
em contramão e veloz
transfiro-me
desconjunto-me
desarticulo-me
desmancho-me
em acentos e em sílabas
porque não dói cair
o que dói é
manter o prumo

11/07/2007

Página 161

.



Foto: Marcus Lindner http://www.ars-erotica.org/


«No entanto, não extraía dessa conclusão teórica forças suficientes para fazer o que ardentemente lhe exigiam reaparecidos instintos: passar a ponta dos dedos pela acetinada pele, poisar os seus lábios matrimoniais sobre aquelas colinas e ribanceiras que antevia tépidas, odorosas e de um sabor no qual o doce e o salgado coexistiam sem se misturarem. Porém não lograva fazer nada, petrificado pela felicidade, excepto olhar e olhar. Depois de ir e vir repetidamente da cabeça aos pés daquele milagre, de percorrê-la uma e outra vez, os seus olhos imobilizaram-se, como o requintado provador que não precisa de continuar a degustar pois identificou o non plus ultra da adega, no espectáculo que só por si constituía o esférico traseiro.»

in Os Cadernos de Dom Rigoberto de Mário Vargas Llosa / Mario Vargas Llosa

Publicações Dom Quixote

08/07/2007

Blues do outro lado do Atlântico

..



A noite adivinhava-se mais fresca que na véspera e o calor da voz e da presença de J. J. Jackson no palco exterior do Teatro de Vila Real prometia elevar a temperatura. E assim foi. Ao ritmo de blues e de outros sons contagiantes, o público teve oportunidade de experimentar um belo espectáculo!


Densidade(s) 3

.


Foto: www.odeoda.com


curvaturas esdrúxulas

incidem em esferas de espelhos

sonoras e brilhantes

desato os atilhos das convenções

que oprimem explosões de lágrimas

cambaleio

entre aspas e reticências

numa ilusão suave e intensa

de um querer interrogativo

aposto de exclamações

finais

sem quanto sem quê sem qual


04/07/2007

Densidade(s) 2

.


http://www.photoforum.ru/photo/339366/index.en.html



subconscientemente

avancei a preto e branco

entre pétalas insolentes e insólitas

de sempre sem nuncas

atrevi-me em agoras e provei um antes

arrisquei um aqui depois

e algures comprimi imagens

substantivas

de tanto que nem sei


Densidade(s) 1

.



embrulho-me em papel de jornal

e resisto a anúncios descarados de mortes e sexo

delineio contornos com o indicador negligente

pela figura colorida de desejos e de momentos

entrego-me a viagens, desamparada

e num silêncio lento e denso

emudeço

27/06/2007

Cinco livros entre os demais

.

Recebi um convite para falar de livros. Não sei falar deles. Sinto-os. Tenho uma relação especial com eles. Não os devoro. Pego-lhes. Folheio-os de trás para a frente. Amo-os pelo cheiro, pela visão e pelo tacto. Saboreio-os. Ouço-os. Contam-me histórias. Faço amigos. Lentamente, disseco palavras, linhas, entrelinhas. Avanço, recuo. Um prazer sereno e empolgante que me vai acordando pela noite dentro.

Leio sempre, mesmo quando o livro de cabeceira - neste momento, Tango, da argentina Elsa Osório - se mantém fechado durante dias e dias. Gosto de o ter ali, à mão.

Por vezes, leio dois, três livros no mesmo período de tempo, um de cada vez, alternando entre eles. Gosto assim.

A Religiosa de Diderot marcou-me aos doze anos. Um contributo para a minha tempestade de ideias sobre a religião durante a adolescência.

Victor Hugo fascina-me com Os Miseráveis pelos volumes, pelo enredo, pela força da escrita.

O génio de Camões patente na epopeia d'Os Lusíadas intriga-me pela forma: dez cantos, 1102 estrofes que são oitavas decassilábicas, sujeitas ao esquema rímico fixo AB AB AB CC e atrai-me pelo concílio dos deuses, pelos amores de Pedro e Inês, pelo Adamastor.

Timbuktu fez-me descobrir Paul Auster, um escritor norte-americano que contraria tendências rotineiras de literaturas para consumo e já me fez companhia com O Livro das Ilusões, A Noite do Oráculo, Música ao Acaso, A trilogia de Nova Iorque.

Cem Anos de Solidão despoletou o gosto pela literatura hispânica e guiou-me pelo universo mágico de Gabriel Garcia Márquez!

Tantos outros nomes de escritores que ficam de fora, mas não menos importantes nas minha preferências literárias: Torga, Sophia, Eça de Queirós, Lobo Antunes, Saramago... poderia enumerar dezenas, centenas, portugueses e estrangeiros, que ficariam sempre alguns por referir.

Para dar sequência a esta cadeia, dirijo o meu convite aos seguintes blogues vizinhos:

Devaneios (3)

A selecção das imagens foi difícil: por um lado, pela má qualidade da maior parte das fotos que, não sei por que carga de água, saíram distorcidas; por outro, porque ao revê-las, revivi os momentos do concerto.
A vivacidade e a energia que dominou a actuação dos Rolling Stones do princípio ao fim empolgou o público que abrangia todas as faixas etárias... Ao som de êxitos mais antigos e mais recentes, todos saltaram, gritaram, aplaudiram.
A música é, de facto, um dos catalisadores mais poderosos para unir as diferenças, para diminuir o fosso entre gerações, para alimentar esperanças.
Os 64 anos de Mick Jagger, que fazem inveja aos «barrigudos» que se foram deixando intimidar pelo peso da idade, demonstram que é possível manter-se jovem, mais por dentro do que por fora.
No final do concerto, após ter saltado tudo quanto podia, sorri quando, mesmo atrás de mim, ouvi uma voz feminina comentar: «Ai as minha costas!», ao que a colega acrescentou: «Nem me fales!». Olhei de soslaio, adivinhando duas sexagenárias. Fui obrigada a olhar de novo, desta vez sem a discrição inicial, e confirmar que seriam da minha idade, mais ano, menos ano!
Sorri novamente. As minhas nem sinal davam! Satisfeita com a revelação, fiz a viagem de regresso.
Descobri, entretanto, que o meu corpo reage lentamente e que não resiste a uma viagem de comboio de quatro horas durante a madrugada! Escusado será dizer que a recuperação prolongou-se durante a semana! Mas valeu a pena, se valeu!!!


Devaneios (2)

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Lisboa é, sem dúvida, uma cidade que me prende, que me arrasta, que me seduz. Mas, pelos vistos, não é só a mim.

Devaneios (1)

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Pouco passava das oito horas quando chegámos à estação. Pedi o bilhete de ida e volta e quando referi a hora do regresso, o senhor sorriu e declarou com um sorriso nostálgico: então vai ouvir a música do nosso tempo... Partilhei o sorriso e, no papel de cúmplice apanhada com a boca na botija, retorqui: é verdade.
A opção pelo comboio surgiu à última da hora, quando, na véspera, me lembrei de consultar a página web da CP. A última viagem de comboio tinha sido em Julho de 2002 de Vichy para Bordéus que me permitiu usufruir da paisagem, da leitura, do sono descontraído e ainda me proporcionou algumas vivências caricatas.
Sempre achei peculiar o uso de metáforas associadas às viagens de comboio que, geralmente, traduzem simbologias da vida. Estações, apeadeiros, paragens, linhas, são termos associados a modos de estar, de ser, de decidir, de pensar.
Quando dei por mim mecanicamente sentada no lugar marcado, tive a sensação estranha de viajar contra o tempo. Via a paisagem deslizar a uma velocidade rápida e irrecuperável e, por momentos, sentia-me resistir. Uma resistência inexplicável mas imprescindível.
Apercebi-me, de súbito, que essa sensação provinha do facto de viajar de costas voltadas à direcção em que seguia o comboio.
Interroguei-me: andarei eu de costas voltadas?!

Ocean's 13

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Nada melhor, num fim de tarde de domingo ofuscada por nuvens que obrigava a um recolher ao cinema, que um filme «light» com belas figuras de actores, que poderiam dedicar o seu tempo a desempenhar papéis decisivos e importantes para as suas carreiras cinematográficas mas preferiram, pela terceira vez, dar a cara num filme que se desenrola à volta de mais um ambicioso golpe, motivado pela recuperação de um membro da equipa que, após ter sido enganado por Willy Bank (Al Pacino), cai numa cama às portas da morte.
Valha-nos o pretexto nobre que exalta o valor da amizade, da cumplicidade e da união para não dar como perdido o dinheiro do bilhete.

26/06/2007

um s. joão festejado como um s. antónio

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Pela primeira vez e, por coincidência, acabei por passar o S. João, no Porto. Paradoxalmente, enquanto vagueava por ali, guiada por um amigo que ia recordando os velhos tempos de outros S. Joões, alheada das marteladas e dos transeuntes, a minha memória viajava até Lisboa, recuando no tempo vinte e poucos anos: imagens e cheiros transportaram-me até noitadas que acordavam nas manhãs junto ao Tejo, após a subida até ao Castelo e a descida pausada pelas paragens nos pátios para um bailarico, uma sardinha, uma imperial, num ambiente de alegria e descontracção própria da idade e adequado à festa.
Nessa altura, quem me tivesse alertado para a inexorabilidade do tempo, teria recebido como resposta risos e esperanças...

Fotos daqui

20/06/2007

Roll...roll...roll...

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A minha preferida!!!

Vou lá estar, em Alvalade, dia 25... com o meu filho!
Duas gerações unidas pela música e muito mais!

Inevitável (3)



(não) é inevitável chorar
quando no rio nem água corre
(não) é inevitável gritar
quando a voz nem som emite

distingo quimeras inúteis de ilusões primordiais
e sigo com os olhos com as mãos com a boca
a distância que nos afasta e nos une
em espontâneas convulsões de verdade
que surgem perigosas por trilhos virgens
que conciliam o claro e o escuro de nós

Inevitável (2)

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é inevitável permanecer sôfrego de sentir
é inevitável conservar o impulso de respirar
impregnada de aromas de lua cheia
descanso de partidas de mim sem chegada
resvalo pelas encostas da essência
renuncio a abstractos arquétipos
e galgo painéis de utopias delirantes
destituídas de razão e de sentido
que ofendem insípidos figurantes
em cera colhidos
pasmo de incrédulas paixões
que se adivinham e nunca são

18/06/2007

Inevitável (1)

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inevitável é olhar para o horizonte e ver os sonhos
inevitável é saborear a fantasia e degustar o êxtase
sem barreiras que impedem a visão clara do futuro
sem cortinas que embaciam a imagem do destino
a passos largos e determinados define-se
de braços abertos e sinceros constrói-se
hemisférios que oscilam num só ponto
coesos sólidos estáveis
diluem correntes e permanecem
intactos herméticos ilesos
assentes em convictos propósitos
alheados de dúvidas perenes
inevitável... até doer?!


17/06/2007

Uma pérola verde

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http://viajar.clix.pt/


A celebração de um feliz acontecimento levou-me ontem até a Ervamoira, uma quinta localizada na margem esquerda do rio Côa, em pleno Parque Arqueológico do Vale do Côa. Após oito quilómetros de caminho de terra, entre uma vegetação agreste e acidentada marcada pelo negro do xisto, vislumbramos, de repente, duzentos hectares de verde vinhateiro numa plantação vertical, que difere na forma das restantes caracterizadas pelos socalcos. O museu, que existe na quinta, expõe fotografias e algumas peças encontradas na estação arqueológica existente na propriedade.

A chuva, que caiu intensamente durante quase todo o dia, não impediu os convivas de usufruir da beleza da paisagem, da tranquilidade do espaço, do silêncio que abafava vozes prazenteiras, que traduziam o grau de satisfação com o repasto confeccionado com esmero - um óptimo bacalhau com broa e um delicioso cabrito assado -, acompanhado de um excelente vinho.

Este empreendimento é a prova de que a vontade do homem pode superar condicionalismos de relevo geográfico e pode desenhar uma harmonia natural. De salientar o bom senso que imperou quando a intenção de construir a barragem não se concretizou!


14/06/2007

Desafogo-me nas palavras, ora essa!

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Após textos que falam de amor e coisa e tal, apetece-me ter um desabafo daqueles que guilhotinam emoções e criam perplexidades de manter a boca aberta durante horas!
É que, na verdade, tenho uma dificuldade enorme em manter a calma, a boa disposição, a descontracção perante atitudes que revelam, além de insensatez e ingenuidade, uma grande, mas do tamanho das pirâmides do Egipto (agora não me lembro de algo mais alto!!!), dizia eu, uma imensa e paradoxal estupidez!
Não! não lido bem com esta castração do pensamento que, não lhe bastando corroer a mente de quem a detém, atinge com imponência graus de pura insanidade, que provocam calafrios de indignação a quem tem que assistir aparvalhadamente a atitudes de quem a ostenta!
Com tantos fármacos e tanta investigação científica, ainda ninguém terá pensado em criar um antídoto para este mal humilhante da condição humana ?!
Poupo os pormenores da história e perdoem-me o exagero da linguagem que raia a altivez arrogante de quem se acha muito esperta! Mas também tenho os meus dias... haja paciência.

Agora que desabafei já me sinto bem melhor! Por isso repito amem muito, sempre!


13/06/2007

O Cupido, nem mais!

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Ai, ai, ai... fui atingida em cheio!!! Uma flecha vinda do palavras soltas caiu no meu blogue!

«Cupido Fonte de Amor» é uma expressão deveras sugestiva... desconheço-lhe a origem, da expressão, entenda-se... Mas a história de Cupido fascina pela carga simbólica que sustenta a imaginação humana.


O Amor

Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.

Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável.

A marcar sobre os teus flancos
itinerários da espuma.

Assim é o amor: mortal e navegável.


Eugénio de Andrade

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um todo único

metade mim, metade tu

penso-te, sinto-te, adivinho-te

com intensidades serenas de ardor

creio-te, suponho-te, afago-te

com veemências
tranquilas de certezas

prendo-te, solto-te, medito-te

com firmezas e com amor!



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É suposto nomear dez blogues e cá vai:


Charlas








Provavelmente, alguns estarão a vociferar e a rogar-me uma praga e com toda a razão! Mas não se sintam obrigados a nada e ficamos amigos à mesma...
O importante é que nunca se esqueçam de amar, sempre!


Un petit rien...

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Foto: http://www.allposters.com/


Fui renomeada pelo sonho a sul para os memes e adoro desafios. Nunca lhes resisto! Mas desta vez não bloqueei!!! Lembrei-me, subitamente, de alguns textos que foram escritos há anos e que fazem parte de uma colectânea intitulada, por enquanto : Memórias Afectivas. Trata-se de uma tentativa de perpetuar algumas emoções relacionadas com histórias vividas durante a infância e adolescência.

O meme que vos deixo baseia-se num dos textos e conta como foi o meu primeiro dia na escola «por dentro de mim»... e não, não vou renomear mais um blogue! Antes, lanço um repto a todos os que entenderem responder: lembrem-se e contem como foi o vosso primeiro dia na escola «por dentro» de vós mesmos.

Primeiro dia

A mão materna aperta com ternura, força e segurança os pequenos dedos, durante a subida, degrau a degrau, até ao patamar. O primeiro dia! A ansiedade tolda a visão agravada pelo estrabismo e alguma miopia. Uma névoa envolve os passos até à porta da sala, a entrada, os vultos. Vislumbra-se lá no fundo, ao pé da janela e ao lado secretária da senhora professora uma mesa grande, baixa, de tampo verde, rodeada de cadeiras como as que se vêem na feira para as crianças: de madeira e pequenas. Pouco a pouco, os contornos vão tomando forma: um quadro negro, uma secretária, carteiras de madeira, um mapa na parede, um globo. Vestidos de branco, os vultos reanimam-se e tomam vida. Falam, olham, riem… Na mesa grande e baixa, de tampo verde, aparece o caderno e o lápis. Os olhos esbugalhados percorrem o cenário. À volta da mesa: batas brancas, rostos apreensivos, cadeiras vazias… Os olhos fixos na porta e na figura de uma menina, também de bata branca, com os cabelos encaracolados e uns olhos de brotam lágrimas a fio. Aproxima-se e senta-se. As lágrimas saltam e circulam ondeando as faces rosadas. «Não chores» arrisco eu aflitivamente, esquecendo o quadro, o giz, o mapa, os cadernos, os lápis… e assisto, incrédula, àquela cena incompreensível. Chorar, porquê? Um nó na garganta apertava e obrigava-me a repetir: Não chores!
As palavras e as lágrimas descobriram um sentimento novo: a amizade.

11/06/2007

«memes»

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Respondendo ao desafio de charlas e de adesenhar e, após um incontornável «bloqueio» , aqui estão os meus memes :


http://www.allposters.com/

amor / esperança / sonho


Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões


Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
O teu sorriso puro,
A tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
somente um bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinha.
Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
Por vê-los nus e suados.

Eugénio de Andrade

mar / lua / sol /mar / dia / noite / mar




O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


Carlos Drummond de Andrade



http://www.ni-photos.jmcwd.com/moonlight-ireland3.jpg


Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Fernando Pessoa


http://www.1000imagens.com/

verdade / mentira

Se tudo o que há é mentira,
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira
A nada nada se dá.

Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é suponho que é.

Que o grande jeito da vida
É por vida com jeito.
Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.

Mais vale é o mais valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para as palavras sobrem.

Fernando Pessoa


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia Mello Breyner Andresen


palavras / palavras / palavras / palavras / palavras


Serão Palavras


Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que fomos jovens

Diremos mãe amor
um barco,
e só diremos
que nada há
para levar ao coração

Diremos terra mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.

Eugénio de Andrade in “Mar de Setembro” (1961)



De amores e de esperanças navego por mares
inundados de lua e de sol

De palavras e de sonhos alimento dias e noites



Para a divulgação de outros «memes» escolho: Abstracto Concreto

10/06/2007

Despedidas...


.Ontem, pela primeira vez na vida, fui a uma despedida de solteira. Apesar de não compreender a expressão no seu sentido mais amplo, fiquei a saber que se trata de um alegre e saudável convívio entre amigas (sem artefactos indecorosos, nem manifestações indecentes, nem espectáculos de cariz sexual), que fazem questão de lembrar à noiva que a partir do dia «fatal» vão acabar as «borgas» e começar as responsabilidades de esposa e de mãe, de acordo com as expectativas da sociedade... (?)

09/06/2007

Transparência(s) 3

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http://www.1000imagens.com/


determinado, o direito avança
enquanto o esquerdo vacila

recolhida na voragem dos monossílabos hesitantes

esboço olhares que atravessam opacidades frágeis e intactas


transfiguram-se em imagens translúcidas

que sem cor, sem alma, sem dor, emergem possantes

de universos criados para alimentar saudades e fraquezas


reúno aliterações e metáforas e dou-lhes a cor de madrugada

pinto-as de calor e de sorrisos que encantam inesperados duendes

recolhida na força da água transparente que subjuga rios agitados

esboço singulares gestos que sugerem afagos e afectos

decididos, direito e esquerdo reconciliam-se e impetuosamente avançam


07/06/2007

Transparência(s) 2

.

http://olhares.aeiou.pt/

deslizo o olhar pela minha sombra

e deixo-a ali estática e entaipada


descalça de fantasmas piso a relva húmida de orvalhos matutinos

que em gotas se entrelaçam nas folhas decalcadas de verde

nua de hipocrisias dormentes

que rastejam pela margem

do rio de águas exaltadas pela luz de graciosos profetas

que de sorriso em sorriso pintam vales e montes e sóis e nuvens

dispo-me de espartilhos morais que ornam o pórtico da razão

e esgrimo ditongos que penetram palavras ausentes de sílabas


de intenções torpes crivo o olhar alheado de visões reticentes

assombrada de invisíveis intuitos metamórficos

diluo cortinas de flores estampadas e inspiro pedaços do tempo

que um dia foi mas volta sempre

regresso e retomo a sombra

que ali esperava estática e entaipada


28/05/2007

transparência(s) 1

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retoco o olhar com sombra azul

revejo-me no espelho por breves segundos

saio e vagueio por jardins diáfanos que me embelezam os sentidos

apanho o feixe de luz que incide na sombra de mim

vestida de transparências rústicas e prescritas

nego singularidades deturpadas de flores silvestres

porque de selvagens respiram

mergulho em lagos gelados que fortificam excentricidades ocultas de peixes rosados

porque de rosas se alimentam

beijo pássaros que persistem distantes das luas e dos sóis

sorrio aragens de satisfação genuína de fontes de águas castas

porque ninguém alcança

regresso impregnada de tranquilidades visíveis
retoco o olhar com sombra azul

revejo-me no espelho por breves segundos

e prossigo - incansável, consistente e sólida