30/12/2010

«O amor não acaba, nós é que mudamos»


«Um homem e uma mulher vivem uma intensa relação de amor, e depois de alguns anos se separam, cada um vai em busca do próprio caminho, saem do raio de visão um do outro. Que fim levou aquele sentimento? O amor realmente acaba?

O que acaba são algumas de nossas expectativas e desejos, que são subtituídos por outros no decorrer da vida. As pessoas não mudam na sua essência, mas mudam muito de sonhos, mudam de pontos de vista e de necessidades, principalmente de necessidades. O amor costuma ser amoldado à nossa carência de envolvimento afetivo, porém essa carência não é estática, ela se modifica à medida que vamos tendo novas experiências, à medida que vamos aprendendo com as dores, com os remorsos e com nossos erros todos. O amor se mantém o mesmo apenas para aqueles que se mantém os mesmos.

Se nada muda dentro de você, o amor que você sente, ou que você sofre, também não muda. Amores eternos só existem para dois grupos de pessoas. O primeiro é formado por aqueles que se recusam a experimentar a vida, para aqueles que não querem investigar mais nada sobre si mesmo, estão contentes com o que estabeleceram como verdade numa determinada época e seguem com esta verdade até os 120 anos. O outro grupo é o dos sortudos: aqueles que amam alguém, e mesmo tendo evoluído com o tempo, descobrem que o parceiro também evoluiu, e essa evolução se deu com a mesma intensidade e seguiu na mesma direção. Sendo assim, conseguem renovar o amor, pois a renovação particular de cada um foi tão parecida que não gerou conflito.

O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.»


Martha Medeiros

Eduardo Agualusa


O penúltimo livro lido, uma compilação de crónicas do escritor angolano Eduardo Agualusa, veio reforçar o meu gosto e preferência pela literatura africana. Há um misterioso dom numa escrita tão transparente e, ao mesmo tempo, tão intensa!


«Uma segunda oportunidade»
«Li recentemente, num jornal brasileiro, a história de um homem que foi atingido por um raio durante uma tempestade tropical. um médico que passava pelo local socorreu-o. Verificando que não era capaz de o reanimar (o infeliz sofrera paragem cardíaca), afastou-se para pedir ajuda. Nesse momento o homem foi atingido por um segundo raio, e com isso, espamosamente, recuperou a consciência. Morto por um raio, ressuscitado por outro, aquele homem está certamente convencido que Deus lhe deu uma segunda oportunidade.
Lembro-me disto a propósito do amor. Pode haver, no amor, uma segunda oportunidade?»

A Substância do Amor e Outras Crónicas, pág. 169

29/12/2010

Um óptimo 2011!

Quem é que já anda a pensar nas promessas para 2011?!

Eu já decidi: vou continuar a ser eu mesma, acordar e pensar no dia que tenho pela frente, ser optimista e inconformada, realista e sonhadora, surpreendente e desconcertante, a preocupar-me com quem gosto e ajudar no que for possível! E, sobretudo, muita saúde para mim, para os meus e para todos os meus amigos e amigas!

«A rapariga que roubava livros»

Uma narrativa magnífica que nos surpreende ao ser contada pela Morte mas que nos seduz palavra a palavra, linha a linha, página a página, até perdermos a noção do tempo e encontrarmos um espaço longínquo, mas tão perto, numa deliciosa doçura do ser humano, numa tragédia da humanidade que nos faz pensar e relativizar o sofrimento!
Escusado será dizer que foi uma das melhores leituras até hoje!

28/12/2010

Podia ser uma crónica...


Aconselhada a organizar-me mentalmente, abro a página e solto as palavras para este espaço em branco, pois, até hoje, não descobri ainda outro meio mais eficaz para tentar colocar algumas peças, não no seu devido lugar (porque nunca estarão!), mas no lugar onde agora têm de estar. E quando digo agora, é agora mesmo! Daqui a uns minutos se a minha respiração deixar de funcionar, aqui ficarão neste «lugar» e nunca se saberá se terão ficado onde deveriam, porque tudo está em permanente mutação, ou se, pelo contrário, deveriam estar todas às avessas numa miscelânea indecifrável e misteriosa e se tal situação me poderia proporcionar outros rumos e outros clarões

À medida que a experiência e o conhecimento se vão somando a um todo, é mais que provável que ele se desintegre em dúvidas e perplexidades (ele, o «todo»!). Isto, porque quando achamos que a quantidade de vivências nos dará mais certezas de que o caminho não é aquele, vem sempre um pormenor estragar tudo e derrubar as convicções que demorámos tanto a construir, tal como aqueles legos empilhados, e desempilhados logo a seguir, pelas mãos de uma criança no tempo em que as teclas não eram a sua ferramenta predilecta!

Vem a propósito este fluxo de vocábulos da necessidade de evacuar as ideias engelhadas em pregas, no rosto de uma idosa arruinada pelos anos, pela doença e pelos desgostos, sobrepostos em rugas que nem uma cirurgia plástica seria capaz de disfarçar, o que também não está em questão, porque, por mais lisa que esteja a pele, as cicatrizes estão na profundidade do seu âmago e nenhuma técnica poderá reparar.

Poderia e deveria concluir por aqui, mas sinto que as palavras que aí vêm ainda poderão rasgar algumas intenções e colar fantasias, de modo que o esforço de sanar (ou sarar?!) as gelhas da roupagem de inverno, não seja em vão! E que inverno! E não me refiro propriamente aos elementos da natureza que têm sempre o seu efeito negativo na auto-estima e confiança do ser humano, durante os meses em que o sol descansa da sua labuta de verão! 

É um inverno vacilante, que quer ser ousado, mas apesar da constante procura, não encontra o ponto de apoio para colocar o calcanhar, ou pelo menos um dos dedos do pé, nem que seja o quinto e mais pequeno em proporção. Esta ausência de fundamento prende-se directamente com a surpresa inevitável com que algumas vicissitudes teimam em nos confundir. 

Não que esteja confusa, nem vacilante... pois, afinal... há uma certeza proverbial que ordena que todos os caminhos vão dar a Roma, o que implica uma fatalidade, vá por que caminho for! 


Irene Ermida
(num momento que foi este, mas podia ter sido outro!)

22/12/2010

Sem medo de perder




"Chega o final de ano e a gente se projeta para o futuro de uma forma um pouco vacilante: por um lado, nosso espírito está voltado para a renovação, para investir em projetos inéditos, para sonhar alto e combater nossas carências. É como se pudéssemos, de um dia para o outro, zerar o que foi realizado e nascer de novo.

Por outro lado, temos dificuldade em dar essa zerada, porque isso significaria abrir mão de algumas coisas que foram vividas, e ninguém quer trocar uma coisa por outra, e sim acumular. O ideal seria o novo ano nos receber de portas escancaradas para que passássemos com toda nossa bagagem.

Porém, a porta não é tão escancarada assim. Não dá pra trazer tudo com você. Principalmente se você está assim tão repleto de desejos novos. Para que possamos receber o novo, é preciso deixar pra trás desejos antigos. Isso não significa que a gente não deva guardar boas lembranças, mas não dá pra se agarrar a isso como a uma âncora. A gente só pensa em ganhar, mas é preciso aprender a perder.

Foi lendo uma crônica do Contardo Calligaris, de dezembro de 2005, que me deu o estalo: como é que vou abrir espaço para novos acontecimentos e emoções na minha vida se não consigo me despedir do ano passado, do tempo passado ?

Adeus ano velho. Foi ótimo, foi péssimo, foi fácil, foi difícil, me dei bem, me machuquei, teve de tudo. As coisas boas naturalmente vão se acomodar na minha mochila e vir comigo, mas e tudo aquilo que não cabe mais na minha vida ? Faço o que com o excesso de peso ?

Algumas pessoas desejam uma nova perspectiva profissional, mas, em vez de um basta para o trabalho que já não serve, se arrastam mais um pouco e os prognósticos de novidade não se cumprem. Há os que querem parar de fumar, parar de engordar, parar de beber, mas para tudo isso terão que abrir mão de algo difícil de abandonar: o prazer que certos maus hábitos proporcionam.

E tem aquele assuntinho onipresente, as relações amorosas. A gente já não vê mais graça em sofrer, não quer se acostumar com a dor, com as repetições, com a aridez do coração, mas como virar a página depois de tudo o que foi investido, de tanta tentativa, de tanto sentimento que não foi inventado, mas que existiu de fato ? Para responder a essa questão, volto (e voltarei sempre) a uma frase do Norman Mailer: "As pessoas procuram o amor como solução para seus problemas, quando o amor é a recompensa por você ter resolvido seus problemas."

E emendo com uma citação que complementa a anterior. Do Calligaris, claro, guru e inspirador desta crônica: "Meus votos para todos: um ano novo sem medo de perder."

Martha Medeiros


Obrigada prima por teres partilhado este texto comigo! Longe, mas sempre perto!

10/12/2010

«O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.»


Padre António Vieira

09/12/2010



«Difícil não é lutar por aquilo que se quer e sim desistir daquilo que mais se ama; eu desisti mas não pense que foi por não ter coragem de lutar e sim por não ter mais condições de sofrer.»

Bob Marley

E acrescento: não dormimos com a consciência dos outros, mas com a nossa!

«Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo para vencer é tentar mais uma vez.»

Thomas Edison

E acrescento: afinal quem terá razão?!

08/12/2010

X



sentia-se um ponto distante no camarote de um navio que cruzava os oceanos num rodopio contínuo diferia da maioria e não encaixava em padrões comummente aceites na tela de fingimentos por onde desfilavam figuras acomodadas ao bom senso e tacticamente colocados no tabuleiro de um xadrez sem regras observava no cimo do mastro marinheiros sem rumo convencidos de que moviam o mundo como uma alavanca move a pedra que esmaga a espontaneidade do sentir e do pensar sem análises saturadas de raciocínios lógicos e sim estava sozinha na imensidão de um universo que não lhe dizia respeito porque nascera fora de época não sentia orgulho nem a originalidade que lhe apontavam nem sentia somente.


Irene Ermida
Aconselho a leitura integral!

ÉS UM NOJO DE UM VAIDOSO, SABIAS?

por PEDRO CHAGAS FREITAS 

«(...)Isto é um país de mariconços. De famílias de fachada, de casamentos de fachada, de bondades e misericórdias e solidariedades de fachada. Isto é um país de fachada e de fachos. Isto é um país de mariconços como isto é um mundo de mariconços. Um mundo onde o capital passou a ser capital, onde a pessoa passou a ser estatística, onde o dinheiro passou a ser lei, onde se está em crise porque meia dúzia de mariconços, invejosos como todos os mariconços, dominam todos os outros mariconços do mundo. E poderia escrever muito e muito mais sobre esta nojice dos mariconços e de tudo o que isso representa. Mas, infelizmente, tenho de parar por aqui. Hoje é a festa de anos da minha afilhada. E eu ainda tenho de ir comprar um fato novo, uns óculos de sol e um creme autobronzeador. Tchau aí.»


http://www.facebook.com/notes/pedro-chagas-freitas/es-um-nojo-de-um-vaidoso-sabias/468414831748

Samsara


Não vi, mas não vou descansar enquanto não vir este filme !!!

Mais acerca do termo «Samsara»: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samsara 

A vida é feita de ciclos: é preciso morrer para renascer!

L'Amant



Devora-se o livro, saboreamos o filme!

IX


voltava a acreditar que um dia não são dias e que devia acelerar a fundo na próxima passagem de nível mesmo correndo o risco de ser estilhaçada por um comboio de palavras e de gestos inúteis mas porém e apesar de travou a fundo no sinal sonoro emitido por uma consciência asceta que insistia em levá-la pelos trilhos da loucura que mais não era o medo de se fraccionar em páginas de mais um capítulo de um livro que nunca terá escrito sem linhas nem traços nítidos numa simbologia de alquimias emblemática de ser o que não foi ou o que poderia ter sido.

Irene Ermida

05/12/2010

VIII



avança a passos esforçados e lentos como se ao coração tivesse acorrentada uma bola gigante que impede a circulação do sangue de vermelho já desbotado pelo uso diário de sabão na esperança de limpar memórias insolúveis e boas e más que habitam nos cantos para onde varreu os desejos e as histórias que a tornam vazia da certeza absoluta de verdades e de mentiras indecifráveis pintadas num mural de manchas indistinguíveis e de linhas cruzadas e paralelas entre risos e sorrisos e na ausência de lágrimas que se evaporaram nas nuvens e chovem no mar.

Irene Ermida

02/12/2010

Algemada


«O pior cárcere não é o que aprisiona o corpo, mas o que asfixia a mente e algema a emoção.»


Augusto Cury in Os Segredos do Pai-Nosso, A Solidão de Deus



Desenho de Amadeu Brigas

abotoo o sonho e penduro-o num qualquer armário
perdido na imensidão de peças usadas e gastas

sem fechadura
sem abertura

esquecido entre memórias que foram
e outras que não chegaram a ser

como se arruma a vontade de beijar?
como se rasgam as palavras por dizer?

uma lágrima que não corre, espera o momento que já passou 
e secou...

arrumo o grito abafado
num cabide ao lado do sonho

sem abertura
sem fechadura!

Irene Ermida