30/12/2010

«O amor não acaba, nós é que mudamos»


«Um homem e uma mulher vivem uma intensa relação de amor, e depois de alguns anos se separam, cada um vai em busca do próprio caminho, saem do raio de visão um do outro. Que fim levou aquele sentimento? O amor realmente acaba?

O que acaba são algumas de nossas expectativas e desejos, que são subtituídos por outros no decorrer da vida. As pessoas não mudam na sua essência, mas mudam muito de sonhos, mudam de pontos de vista e de necessidades, principalmente de necessidades. O amor costuma ser amoldado à nossa carência de envolvimento afetivo, porém essa carência não é estática, ela se modifica à medida que vamos tendo novas experiências, à medida que vamos aprendendo com as dores, com os remorsos e com nossos erros todos. O amor se mantém o mesmo apenas para aqueles que se mantém os mesmos.

Se nada muda dentro de você, o amor que você sente, ou que você sofre, também não muda. Amores eternos só existem para dois grupos de pessoas. O primeiro é formado por aqueles que se recusam a experimentar a vida, para aqueles que não querem investigar mais nada sobre si mesmo, estão contentes com o que estabeleceram como verdade numa determinada época e seguem com esta verdade até os 120 anos. O outro grupo é o dos sortudos: aqueles que amam alguém, e mesmo tendo evoluído com o tempo, descobrem que o parceiro também evoluiu, e essa evolução se deu com a mesma intensidade e seguiu na mesma direção. Sendo assim, conseguem renovar o amor, pois a renovação particular de cada um foi tão parecida que não gerou conflito.

O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.»


Martha Medeiros

Eduardo Agualusa


O penúltimo livro lido, uma compilação de crónicas do escritor angolano Eduardo Agualusa, veio reforçar o meu gosto e preferência pela literatura africana. Há um misterioso dom numa escrita tão transparente e, ao mesmo tempo, tão intensa!


«Uma segunda oportunidade»
«Li recentemente, num jornal brasileiro, a história de um homem que foi atingido por um raio durante uma tempestade tropical. um médico que passava pelo local socorreu-o. Verificando que não era capaz de o reanimar (o infeliz sofrera paragem cardíaca), afastou-se para pedir ajuda. Nesse momento o homem foi atingido por um segundo raio, e com isso, espamosamente, recuperou a consciência. Morto por um raio, ressuscitado por outro, aquele homem está certamente convencido que Deus lhe deu uma segunda oportunidade.
Lembro-me disto a propósito do amor. Pode haver, no amor, uma segunda oportunidade?»

A Substância do Amor e Outras Crónicas, pág. 169

29/12/2010

Um óptimo 2011!

Quem é que já anda a pensar nas promessas para 2011?!

Eu já decidi: vou continuar a ser eu mesma, acordar e pensar no dia que tenho pela frente, ser optimista e inconformada, realista e sonhadora, surpreendente e desconcertante, a preocupar-me com quem gosto e ajudar no que for possível! E, sobretudo, muita saúde para mim, para os meus e para todos os meus amigos e amigas!

«A rapariga que roubava livros»

Uma narrativa magnífica que nos surpreende ao ser contada pela Morte mas que nos seduz palavra a palavra, linha a linha, página a página, até perdermos a noção do tempo e encontrarmos um espaço longínquo, mas tão perto, numa deliciosa doçura do ser humano, numa tragédia da humanidade que nos faz pensar e relativizar o sofrimento!
Escusado será dizer que foi uma das melhores leituras até hoje!

28/12/2010

Podia ser uma crónica...


Aconselhada a organizar-me mentalmente, abro a página e solto as palavras para este espaço em branco, pois, até hoje, não descobri ainda outro meio mais eficaz para tentar colocar algumas peças, não no seu devido lugar (porque nunca estarão!), mas no lugar onde agora têm de estar. E quando digo agora, é agora mesmo! Daqui a uns minutos se a minha respiração deixar de funcionar, aqui ficarão neste «lugar» e nunca se saberá se terão ficado onde deveriam, porque tudo está em permanente mutação, ou se, pelo contrário, deveriam estar todas às avessas numa miscelânea indecifrável e misteriosa e se tal situação me poderia proporcionar outros rumos e outros clarões

À medida que a experiência e o conhecimento se vão somando a um todo, é mais que provável que ele se desintegre em dúvidas e perplexidades (ele, o «todo»!). Isto, porque quando achamos que a quantidade de vivências nos dará mais certezas de que o caminho não é aquele, vem sempre um pormenor estragar tudo e derrubar as convicções que demorámos tanto a construir, tal como aqueles legos empilhados, e desempilhados logo a seguir, pelas mãos de uma criança no tempo em que as teclas não eram a sua ferramenta predilecta!

Vem a propósito este fluxo de vocábulos da necessidade de evacuar as ideias engelhadas em pregas, no rosto de uma idosa arruinada pelos anos, pela doença e pelos desgostos, sobrepostos em rugas que nem uma cirurgia plástica seria capaz de disfarçar, o que também não está em questão, porque, por mais lisa que esteja a pele, as cicatrizes estão na profundidade do seu âmago e nenhuma técnica poderá reparar.

Poderia e deveria concluir por aqui, mas sinto que as palavras que aí vêm ainda poderão rasgar algumas intenções e colar fantasias, de modo que o esforço de sanar (ou sarar?!) as gelhas da roupagem de inverno, não seja em vão! E que inverno! E não me refiro propriamente aos elementos da natureza que têm sempre o seu efeito negativo na auto-estima e confiança do ser humano, durante os meses em que o sol descansa da sua labuta de verão! 

É um inverno vacilante, que quer ser ousado, mas apesar da constante procura, não encontra o ponto de apoio para colocar o calcanhar, ou pelo menos um dos dedos do pé, nem que seja o quinto e mais pequeno em proporção. Esta ausência de fundamento prende-se directamente com a surpresa inevitável com que algumas vicissitudes teimam em nos confundir. 

Não que esteja confusa, nem vacilante... pois, afinal... há uma certeza proverbial que ordena que todos os caminhos vão dar a Roma, o que implica uma fatalidade, vá por que caminho for! 


Irene Ermida
(num momento que foi este, mas podia ter sido outro!)

22/12/2010

Sem medo de perder




"Chega o final de ano e a gente se projeta para o futuro de uma forma um pouco vacilante: por um lado, nosso espírito está voltado para a renovação, para investir em projetos inéditos, para sonhar alto e combater nossas carências. É como se pudéssemos, de um dia para o outro, zerar o que foi realizado e nascer de novo.

Por outro lado, temos dificuldade em dar essa zerada, porque isso significaria abrir mão de algumas coisas que foram vividas, e ninguém quer trocar uma coisa por outra, e sim acumular. O ideal seria o novo ano nos receber de portas escancaradas para que passássemos com toda nossa bagagem.

Porém, a porta não é tão escancarada assim. Não dá pra trazer tudo com você. Principalmente se você está assim tão repleto de desejos novos. Para que possamos receber o novo, é preciso deixar pra trás desejos antigos. Isso não significa que a gente não deva guardar boas lembranças, mas não dá pra se agarrar a isso como a uma âncora. A gente só pensa em ganhar, mas é preciso aprender a perder.

Foi lendo uma crônica do Contardo Calligaris, de dezembro de 2005, que me deu o estalo: como é que vou abrir espaço para novos acontecimentos e emoções na minha vida se não consigo me despedir do ano passado, do tempo passado ?

Adeus ano velho. Foi ótimo, foi péssimo, foi fácil, foi difícil, me dei bem, me machuquei, teve de tudo. As coisas boas naturalmente vão se acomodar na minha mochila e vir comigo, mas e tudo aquilo que não cabe mais na minha vida ? Faço o que com o excesso de peso ?

Algumas pessoas desejam uma nova perspectiva profissional, mas, em vez de um basta para o trabalho que já não serve, se arrastam mais um pouco e os prognósticos de novidade não se cumprem. Há os que querem parar de fumar, parar de engordar, parar de beber, mas para tudo isso terão que abrir mão de algo difícil de abandonar: o prazer que certos maus hábitos proporcionam.

E tem aquele assuntinho onipresente, as relações amorosas. A gente já não vê mais graça em sofrer, não quer se acostumar com a dor, com as repetições, com a aridez do coração, mas como virar a página depois de tudo o que foi investido, de tanta tentativa, de tanto sentimento que não foi inventado, mas que existiu de fato ? Para responder a essa questão, volto (e voltarei sempre) a uma frase do Norman Mailer: "As pessoas procuram o amor como solução para seus problemas, quando o amor é a recompensa por você ter resolvido seus problemas."

E emendo com uma citação que complementa a anterior. Do Calligaris, claro, guru e inspirador desta crônica: "Meus votos para todos: um ano novo sem medo de perder."

Martha Medeiros


Obrigada prima por teres partilhado este texto comigo! Longe, mas sempre perto!

10/12/2010

«O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.»


Padre António Vieira

09/12/2010



«Difícil não é lutar por aquilo que se quer e sim desistir daquilo que mais se ama; eu desisti mas não pense que foi por não ter coragem de lutar e sim por não ter mais condições de sofrer.»

Bob Marley

E acrescento: não dormimos com a consciência dos outros, mas com a nossa!

«Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo para vencer é tentar mais uma vez.»

Thomas Edison

E acrescento: afinal quem terá razão?!

08/12/2010

X



sentia-se um ponto distante no camarote de um navio que cruzava os oceanos num rodopio contínuo diferia da maioria e não encaixava em padrões comummente aceites na tela de fingimentos por onde desfilavam figuras acomodadas ao bom senso e tacticamente colocados no tabuleiro de um xadrez sem regras observava no cimo do mastro marinheiros sem rumo convencidos de que moviam o mundo como uma alavanca move a pedra que esmaga a espontaneidade do sentir e do pensar sem análises saturadas de raciocínios lógicos e sim estava sozinha na imensidão de um universo que não lhe dizia respeito porque nascera fora de época não sentia orgulho nem a originalidade que lhe apontavam nem sentia somente.


Irene Ermida
Aconselho a leitura integral!

ÉS UM NOJO DE UM VAIDOSO, SABIAS?

por PEDRO CHAGAS FREITAS 

«(...)Isto é um país de mariconços. De famílias de fachada, de casamentos de fachada, de bondades e misericórdias e solidariedades de fachada. Isto é um país de fachada e de fachos. Isto é um país de mariconços como isto é um mundo de mariconços. Um mundo onde o capital passou a ser capital, onde a pessoa passou a ser estatística, onde o dinheiro passou a ser lei, onde se está em crise porque meia dúzia de mariconços, invejosos como todos os mariconços, dominam todos os outros mariconços do mundo. E poderia escrever muito e muito mais sobre esta nojice dos mariconços e de tudo o que isso representa. Mas, infelizmente, tenho de parar por aqui. Hoje é a festa de anos da minha afilhada. E eu ainda tenho de ir comprar um fato novo, uns óculos de sol e um creme autobronzeador. Tchau aí.»


http://www.facebook.com/notes/pedro-chagas-freitas/es-um-nojo-de-um-vaidoso-sabias/468414831748

Samsara


Não vi, mas não vou descansar enquanto não vir este filme !!!

Mais acerca do termo «Samsara»: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samsara 

A vida é feita de ciclos: é preciso morrer para renascer!

L'Amant



Devora-se o livro, saboreamos o filme!

IX


voltava a acreditar que um dia não são dias e que devia acelerar a fundo na próxima passagem de nível mesmo correndo o risco de ser estilhaçada por um comboio de palavras e de gestos inúteis mas porém e apesar de travou a fundo no sinal sonoro emitido por uma consciência asceta que insistia em levá-la pelos trilhos da loucura que mais não era o medo de se fraccionar em páginas de mais um capítulo de um livro que nunca terá escrito sem linhas nem traços nítidos numa simbologia de alquimias emblemática de ser o que não foi ou o que poderia ter sido.

Irene Ermida

05/12/2010

VIII



avança a passos esforçados e lentos como se ao coração tivesse acorrentada uma bola gigante que impede a circulação do sangue de vermelho já desbotado pelo uso diário de sabão na esperança de limpar memórias insolúveis e boas e más que habitam nos cantos para onde varreu os desejos e as histórias que a tornam vazia da certeza absoluta de verdades e de mentiras indecifráveis pintadas num mural de manchas indistinguíveis e de linhas cruzadas e paralelas entre risos e sorrisos e na ausência de lágrimas que se evaporaram nas nuvens e chovem no mar.

Irene Ermida

02/12/2010

Algemada


«O pior cárcere não é o que aprisiona o corpo, mas o que asfixia a mente e algema a emoção.»


Augusto Cury in Os Segredos do Pai-Nosso, A Solidão de Deus



Desenho de Amadeu Brigas

abotoo o sonho e penduro-o num qualquer armário
perdido na imensidão de peças usadas e gastas

sem fechadura
sem abertura

esquecido entre memórias que foram
e outras que não chegaram a ser

como se arruma a vontade de beijar?
como se rasgam as palavras por dizer?

uma lágrima que não corre, espera o momento que já passou 
e secou...

arrumo o grito abafado
num cabide ao lado do sonho

sem abertura
sem fechadura!

Irene Ermida


30/11/2010


Não existe tempo de reencontros quando a amizade é intemporal !!!
Dezasseis anos depois, como constatámos, retomámos a conversa e os risos !
A vida pode ser tão simples afinal!

20/11/2010

The Corrs & Bono - When the Stars Go Blue (Live 8)


Porque há pessoas e momentos inesquecíveis!!!

11/11/2010

VII



a mão desliza na revolta dos cabelos negros e pára no vazio do olhar distante sublime pérola da indiferença camuflada de verdades escondidas nas pregas da pele que acusam desgostos tingidos de gemidos não ditos e fortunas que o destino lhe ofereceu para amenizar as calosidades da vida que mais não fizeram que fortalecer a vontade e engrandecer os sonhos desviados do percurso traçado e nunca percorrido porque ao lado estavam outros (des)caminhos mais vivos e empolgantes tornados realidades inadiáveis e urgentes na esperança de alterar rotas vincadas nas cartas que nunca saíram das mãos de uma cartomante conhecida nos arredores de uma cidade imaginária e que levaram os mistérios para o centro da terra de onde nunca mais voltaram.

Irene Ermida

02/11/2010


«É mais sensual uma mulher vestida do que uma mulher despida. 

A sensualidade é o intervalo entre a luva e o começo da manga.»


António Lobo Antunes


Já não há homens como antigamente! Afinal a tradição já não é o que era!



«O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade» 

(homem ou mulher...)

Fernando Pessoa

25/10/2010

Inversão de percurso

 

«Sim, seria fascinante envelhecer ao teu lado. Mas, ainda assim, prefiro rejuvenescer ao lado de outra.»

Pedro Chagas Freitas


O que era, deixou de ser, se é que alguma vez o foi. Tudo estava em causa agora. Olhava-a mas já não via o brilho nem a graciosidade de outrora. Acordava a seu lado diariamente há anos e, de um momento para o outro, não encontrava nenhuma razão para isso. Sentia-se vazio. Faltava alguma coisa. 

No seu grupo de amigos, ouvira falar da rotina e do desgaste das relações, do tédio e do desmazelo, da falta de amor e de paixão... mas sempre pensou que isso lhe passava ao lado. Eram banalidades. Estava bem com a família que tinha. Tudo estava no lugar certo. Não havia problemas, nem discussões. Tudo se passava segundo a ordem natural das coisas. Tinham os seus dias piores mas tudo passava.

E agora... de repente, sentia-se oco de sensações e sentia falta. De quê? De tudo! E não sabia como lidar com isso. Eram sensações e anseios contraditórios que o punham mal-disposto, resmungão, impaciente. É verdade que havia falta de atenção e afecto mútuo, mas compreendia as razões, pois, não só os filhos, mas  também agora os pais de ambos, exigiam tempo e disponibilidade.

Queria falar-lhe de si, dos seus anseios e ansiedades, dos seus objectivos e frustrações... mas como? Não era só a falta de tempo, mas antes a barreira que se interpôs entre eles. Nada tinham a dizer um ao outro. Era como se o muro de Berlim tivesse mudado de sítio... via o que se passava do outro lado da fronteira, mas não podia agir. 

Não, não queria pensar e esforçava-se por acreditar que tudo estava bem, porém, a inquietação aumentava de dia para dia. Tentou surpreendê-la de várias maneiras para se convencer a ele próprio de que era preciso fazer alguma coisa. Mas cada gesto ou acção distanciava-o cada vez mais de si próprio. Já não sabia quem era. Sim, era um actor a desempenhar o seu papel na perfeição.

Adormecia na expectativa de acordar no dia seguinte num cenário diferente. (...)





24/10/2010

O Verdadeiro Gesto de Amor


«Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguém é o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afecto. O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontáveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor é a invenção de tudo, uma originalidade inesgotável. Fundamentalmente, uma inocência. »

Fernando Namora, in 'Jornal sem Data'









Fonte: www.citador.pt

20/10/2010




Os muros existem por um motivo. 
Dão-nos a oportunidade de mostrarmos até que ponto desejamos alguma coisa. 

(Randy Pausch)

18/10/2010

VI



um relógio que não marca o tempo esquecido entre milhares de sombras indistintas como se um arco-íris gritasse de dor entre os ramos entrelaçados de uma qualquer árvore erguida no fundo de uma avenida deserta de gente e de palavras enquanto o mundo gira e se descobrem novas galáxias para onde voam pensamentos e desejos inoportunos clandestinos  pérfidos que não engolem mentiras nem verdades porque a verdadeira razão não existe nem o universo nem o rosto que surge nos meus olhos.

V



apago as luzes e cerro as janelas numa escuridão cega e muda em que se funde um azul etéreo e o silêncio degolado por soluços e lágrimas diz que já é tarde para lamentações e queixumes de nada vale atrasar o passo perante a voracidade das emoções que agonizam de tanto ardor mas vem a chuva e a lua anoitece tão determinada que parece uma criança adormecida num canto de uma rua qualquer só porque tem sono e não precisa de mais nada nem ninguém se importa com ela assim indefesa mas livre.

11/10/2010

Edgar Morin : "Les crises génèrent des forces créatrices"

.

«Toute crise porte en elle un risque et une chance, affirme le sociologue et philosophe. Le risque, vraisemblable, de voir le marasme s’amplifier. La chance, peut-être, de nous réinventer pour construire un avenir meilleur. Son nouveau livre, La Voie, est une invitation à réveiller l’espoir, la fraternité, l’amour.»

http://www.psychologies.com/Planete/Societe/Articles-et-Dossiers/5-raisons-de-croire-en-l-avenir/Edgar-Morin-Les-crises-generent-des-forces-creatrices
...

(«As crises geram forças criativas»

Qualquer crise comporta em si um risco e uma oportunidade... O risco, verosímil, de ver o marasmo ampliar-se. A oportunidade, talvez, de nos reinventarmos para construir um futuro melhor.)

10/10/2010

IV

sem ponto de referência e numa espécie de espiral absorvo cheiros que me elevam num rodopio em que me enrosco e de onde não quero sair num vácuo deformado pela límpida tensão de cavidades impossíveis impressas em cada ruga de um rosto incompreensível em cada instante em cada nervura mordo a luz que me há-de perder sobre folhas de outono que perdem a dimensão de tão irreais que são amontoadas numa caverna tortuosa de desejos sem proporção porque não mensuráveis por homens nem deuses como nos tempos do nada.

Irene Ermida

III

todos os dias sai o barco à deriva sem porto sem capitão rumo a destinos inconfundíveis de recordações que já não são nem nunca foram e procura a realidade que não é nem nunca foi crepitando surdamente entre paredes invisíveis imersas em águas repetidas de traços e de margens que não são nem nunca foram porque os significados únicos alastram em todas as direcções e não há força nem poder que as contenha e na separação de possibilidades insuportáveis não há nada que se mantenha eterno e o infinito é ilusão de quem espera a insignificância de pormenores.

Irene Ermida

II

são linhas e formas cozidas à força de paladares isolados num desprendimento da alma que não existe mas permanece num universal conceito de movimentos indispensáveis à vida que se eleva num salto e nos puxa para dentro de nós e fica lá ancorada no fundo do pensamento e desperta a dúvida demorada em contraposições e suposições remotas dando sinal inequívoco às gerações que afinal tudo é circular e contínuo e somos apenas prolongamento uns dos outros e deitados quietos e encolhidos crescemos na noite e no dia ao som da harpa mais milenar de todas as harpas sem nomes mudos e anónimos.


Irene Ermida

I

arranco a página em branco e dobro-a em mil partes até desaparecer esse vazio de palavras e de silêncios que falam até doer os ossos num ímpeto controlado de gestos e de sensações que perduram na milésima porção de sonhos de tremores de ventos esquecidos porém surpreendentes e violentos que arrasam montanhas e planícies longínquos de tão longe e de tão perto que se vêem e sentem nas pontas dos dedos estendidos até à lua que ofusca olhares e dizimam a inocência de um lençol branco ou preto macio de pérolas e de sedas de sentidos perdidos estáticos manchados de gotas de suor e de amores passados e futuros.



Irene Ermida

21/09/2010



«Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.»


Fernando Pessoa



14/09/2010

...

li-te do avesso
e descobri que as estrelas não morrem,
adormecem ...
numa aguarela pintada
ao nascer do sol...

escrevi-te no peito
e descobri que as palavras não dormem,
cantam...
num coro perfeito
de vozes caladas...

e então sonhei ...
o sonho da terra, do ar
do fogo e do mar...

Irene Ermida

13/09/2010

Preliminares...



Isto é que estar em forma!!!

Dia 3 de Outubro... vou lá estar!!!

12/09/2010

Imagem do google


No meu último aniversário, um amigo dedicou-me as seguintes palavras de Bertolt Brecht, dizendo que este me tinha retratado muito antes de eu ter nascido:




«Do rio que tudo arrasta,


Dizem ser violento,


mas ninguém diz violentas, 

as margens que o comprimem»


11/09/2010

Les Femmes hérétiques



http://www.winkler-noah.it/wn/index.php?/project/les-femmes-heretiques/


«LES FEMMES HÉRÉTIQUES / Awards: IPA Los Angeles, LICC London Intl. Creative Competition
Recently, a group of archeologists in Israel found a mural representing Jesus as a woman, with a crown of flowers, pearls around her neck and red painted lips. It could be the not only symbolical confirmation, of God feminine nature, as in the past many heretics declared (among them Wilhelmina the Bohemian). The hypothesis is fascinating and, if true, would change immediately the bone structure of the contemporary society, frozen in a hard to kill paternalism. Our "femmes", not at all aiming to be divine, represent all sacrifices and suffering that women had to bear along history, and that allowed them to evolve into the so called “women century” - the nineteen hundreds -, and which we should never forget and always keep mind as far as conquests and emancipation.
Exhibited in Milan (2010).»


No Feminino Negócios | Cultura | “As Mulheres e o Sexo”

Sem tabus...


No Feminino Negócios | Cultura | “As Mulheres e o Sexo”

07/09/2010

Porque há tempos me disseram que sou transparente...

http://pnl-portugal.blogspot.com/2010/09/ser-transparente.html




dou forma à nuvem que passa

de gigante guerreiro indomável
que agita céus e derruba barreiras

de pérola inerme e frágil
que anseia por abrigo urgente

ou de menina virgem
ou de mulher madura

dou forma às mãos
que se cruzam com o olhar
de quem vê além a nuvem
e a abraça com os lábios!

Irene Ermida




Não há sentido nos sentidos que sou
mas sinto, mesmo assim,
no vento que me agita o pensamento
e no fogo que me devora...

distante de mundos efémeros
percorro labirintos perdidos
no mar de estrelas que já não são
e tropeço nas conchas de seda
e ergo-me do meio das algas
e deito-me em ondas de veludo...
para me encontrar em ti


Irene Ermida

30/08/2010

28/08/2010


E a sensualidade das formas também...

A beleza sem preconceitos...

Não faz mal pensar...




Imagem de Dinho Fonseca


Ninguém é responsável por ninguém... a responsabilidade é individual e diz respeito a nós próprios...
A ser assim, a solução dos nossos problemas não depende do comportamento dos outros, mas antes das metas que traçamos para a nossa vida, das nossas decisões e do estabelecimento das nossas prioridades.
Ninguém vive a vida por nós!

27/08/2010

Frases soltas...

«A maior cobardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a intenção de amá-la»

Supostamente, esta frase teria sido dita por uma mulher ressabiada, que se deixou iludir pelas artimanhas de algum predador que não olharia a meios para caçar a sua presa e que, após anos de esperanças perdidas, teria proferido estas palavras, ressentida com o desprezo, indiferença ou apatia do amante.

Mas não... não foi! Este pensamento, vá-se lá saber porquê, saiu da cabeça (ou do coração?!) de Bob Marley...




A curiosidade de descobrir algum indício que pudesse esclarecer o fundamento da frase de Marley, levou-me a pesquisar a biografia do cantor e músico e descobri na Wikipedia o seguinte:

O pai, Norval Sinclair Marley, um militar branco do exército inglês casou com a adolescente negra Cedella Booker, grávida de Bob, e abandonou-a no dia seguinte ao casamento. Continuou a dar-lhes apoio financeiro mas não impediu as dificuldades a que a família foi sujeita, nem provavelmente algum sentimento de abandono por parte do jovem Marley.

Isto sou eu a pensar... a vida afinal é mesmo assim, cheia de injustiças ou de pontas soltas... e, dado que as sentimos na própria pele, por vezes, herdamos os fantasmas e queremos corrigir o percurso dos antecessores, como se expiássemos as suas culpas ou erros. É como se voltássemos atrás, encarnássemos as figuras que nos puseram no mundo e resolvêssemos que, agora sim, é que vamos repor tudo no sítio certo.

É evidente que viver com tamanho peso acaba por ter custos elevados: primeiro, porque ao corrigirmos uns, cometemos outros; segundo, porque não vivemos a «nossa» vida, mas sim uma vida emprestada. E não porque nos foi emprestada, mas antes porque a usurpámos, convencidos que somos mais capazes de a viver, sem desvios nem fracassos!

É interessante reflectir como este legado interfere com as nossas emoções mais profundas e até que ponto pode condicionar as nossas decisões ao longo da vida. É como se quiséssemos compensar as pessoas que amávamos e vimos sofrer e evitar o sofrimento de outras que amamos.

O livre arbítrio dá-nos essa possibilidade; mas, independentemente do que fizermos ou tentarmos corrigir, há sempre a imponderabilidade das consequências das nossas acções. Como acabamos por ter a certeza de que estamos a agir bem?! Provavelmente, só se o ciclo se perpetuar e virmos os nossos filhos a «corrigir» as nossas falhas...

A natureza humana não é infalível e exigir demais de nós próprios acaba por resultar numa pena de prisão perpétua, condenados por «crimes» dos quais, no fim de contas, somos os únicos inocentes!

Mas, para desanuviar, vale a pena ouvir esta versão do «is this love»:

The Doors - People are Strange

24/08/2010

Dez tipos de homens...


Não sei exactamente como, mas de link em link fui ter a um site brasileiro que exibia o título «Dez tipos de homens pra ficar bem longe». Decidi-me então a perder alguns instantes a ler este sugestivo e enigmático artigo, na expectativa de descobrir algum conceito menos prosaico e ainda me divertir com o suposto conteúdo.
É tema recorrente o relacionamento entre homem e mulher em análises mais, ou menos aprofundadas ou científicas… Diria que nem um nem outro (outra, neste caso) resiste a ler este tipo de artigo, pois, espera encontrar mais um ingrediente para a receita milagrosa que existirá por aí algures para alcançar a relação perfeita!
«Não entendo os homens!» e «não entendo as mulheres!» são expressões utilizadas frequentemente para exprimir a incapacidade de entendimento entre masculino e feminino, o qual deveria, à partida, ser naturalmente natural, já que a Natureza assim o concebeu e não há constatações desse tipo nas outras categorias de seres vivos, já que será improvável assistirmos um dia a uma discussão entre um casal de gatos sobre questões básicas do dia-a-dia ou entre a qualidade da sua relação… (a haver, seria muito mais fácil aprendermos com o exemplo!)
Ora, diz-se que a mulher é um ser bastante mais complexo que o homem e daí, a maioria destas tipificações serem da sua autoria, decorrente da sua tendência para analisar e sistematizar as coisas e transformá-las em códigos indecifráveis que põem a cabeça dos homens em água! Por sua vez, os homens tenderão a simplificar demasiado as coisas criando linguagens pragmáticas que possam sustentar o seu mundo a nível das necessidades básicas. Ou seja, ambos os sexos precisam de estereótipos para sobreviver no mundo das relações.
Acontece que, no meio destas categorizações, se perde a verdadeira essência do ser humano, seja mulher ou homem, desviando a atenção apenas para o invólucro e ignorando a dimensão inesgotável de emoções e pensamentos que cada um possui e que nunca chega verdadeiramente a ser exposto ou conhecido. Por comodismo, habituamo-nos a formatar as pessoas ou a vê-las apenas nessa proporção e a agir, ou reagir, segundo as referências que vão sendo criadas para encontrarmos a base de apoio para construir um relacionamento.
Concentrarmo-nos na descoberta do outro como indivíduo, com características singulares e únicas, é um processo demasiado lento para a sofreguidão com que se vive hoje em dia. Não há tempo para a exploração desse universo que cada um de nós transporta e que faz de nós seres absolutamente originais, dotados de uma riqueza incomensurável a vários níveis.
Abstrairmo-nos do enquadramento acessório e convergirmos para o essencial «invisível aos olhos», que passa pela aceitação do outro tal como realmente ele é e não como pretendemos mais facilmente supor, será, talvez, o mais belo desafio do homem ou da mulher…  
Voltando ao motivo inicial que me levou a escrever estes devaneios, foi fácil associar um homem do meu círculo de conhecimentos a qualquer um dos tipos… Como seria, aliás, de esperar… E também acabei por me rever num dos «dez tipos de mulher a não copiar»…
E foi assim que acabei por reflectir nos perigos destas fórmulas caricaturais difundidas amiúde, que contribuem em parte para uma visão deturpada e oblíqua dos relacionamentos, já que, homem e mulher, são muito mais que um padrão fabricado por ideias simplistas, e o seu poder de atracção reside essencialmente na sua singularidade e excepção.

22/08/2010

Mais uma leitura...

 «- Eu não decido nada. Acontece que eles estão à espera de ser incendiados. Pela minha parte, limito-me a fazer-lhes a vontade. Reconheço a situação e aproveito. Como a chuva. A chuva cai. Os rios transbordam e há coisas que são levadas pela corrente. Será que a chuva julga alguma coisa? Atenção, não penses que eu tenho queda para a imoralidade. Gostaria de acreditar que tenho a minha própria moral. E que representa uma força extraordinariamente importante para a existência humana. Sem moralidade, o ser humano não existe. A moral é o que permite existir simultaneamente.
- Existir simultaneamente?
- Exacto. Estou aqui e estou ali. Estou em Tóquio e, ao mesmo tempo, estou em Tunes. Sou eu o culpado e sou eu que perdoo. São tudo exemplos. Esse equilíbrio existe e, sem ele, não poderíamos viver. como acontece com um alfinete de segurança. Se esse alfinete se abrisse, ficaríamos em fanicos, literalmente. É graças a isso que podemos existir simultaneamente.»

Deliciosa passagem do conto «Os celeiros incendiados»! A eterna questão da moral, que serve os propósitos de cada um, conforme as conveniências... ou o colete de forças que nos atrofia a liberdade?!
Para ser livre, é preciso transgredir ou, apenas, soltar amarras? Viver a conta-gotas para manter o equilíbrio ou viver em queda livre permanente, ao sabor do nosso livre arbítrio com a opção de decidir se sim ou se não...
Talvez a maioria das pessoas prefira a primeira; mas, sem dúvida que, a meu ver, a segunda é muito melhor e mais completa: viver livre de falsas moralidades e poder decidir se sim ou se não, sem ter que inventar argumentos para as nossas atitudes, conforme a nossa vontade. Livre de materialismos e de estatutos sociais ou outros, com a certeza absoluta de que a vida é só uma, ninguém a vive por nós e um dia acaba... Termos consciência de que cada minuto é importante e que podemos fazer com ele uma imensidão de coisas... rechearmos o tempo de atitudes e factos significativos para nós e para os outros, que contribuam para uma evolução e não limitem esta passagem a uma mera repetição de rotinas... que, mesmo interrompidas, acabam por nos sufocar...

16/08/2010





(a imagem que faltava, estampada no peito de alguém... porque há coisas e pessoas que até se completam!) 



de um sentir desejo

abandonado no gesto quente

de um simples cruzar de pernas

numa espera apetecida

e adiada…

nos dedos pendentes da mão

a tranquilidade

de que o tempo

afinal

não existe…


Irene Ermida

09/05/2010


Sensacional, este concerto, ontem, no Coliseu do Porto!

05/04/2010

(In)expressividades 3

pálida cor de ti
estende-se na minha janela
e não mostra o mundo

esconde-se na névoa
de estar aqui
e de não ser eu
nem tu

só matéria, só sonho
sem pontos
sem dedos...

Irene Ermida

(In)expressividades 2

Imperceptível,
reconheço o som dessa voz
que me trai o pensamento

desligo a existência
embrulhada em fina folha de papel
decorada, já desbotada

de não saber nada
da alma inútil
e de frio vestida
Irene Ermida

(In)expressividades 1



sem expressão, imóvel
fixo-me na miragem de um mar
pleno de vazio sentido

serei quem fui?

sem palavra que me baste

não fui quem serei

num estranho lema
sem noite
Irene Ermida

After Dark - Os passageiros da noite

«Uma vez tomada a decisão, a coisa não é assim tão difícil quanto isso. Basta que nos separemos da realidade concreta e deixemos para trás o nosso corpo, a fim de nos transformarmos num ponto de vista conceptual, desprovido de matéria. Esse estado permite-nos atravessar toda e qualquer barreira, passar por cima do abismo mais profundo. E transformamo-nos de facto num mero ponto,atravessamos o ecrã de televisão que separa os dois mundos. Partimos deste lado e somos transportados para o outro lado. Quando passamos através da parede e transpomos o abismo, o mundo conhece uma enorme transformação, abre falhas, desmorona-se e desaparece por momentos.Tudo adquire a consistência de uma poeira fina, imperceptível, que se espalha em todas as direcções. É então que o mundo torna a reconstruir-se. Cerca-nos uma nova materialidade. E isto acontece num abrir e fechar de olhos.»

Murakami no seu After Dark, faz de nós observadores e participantes numa narrativa cativante e absorvente. As quatro horas que a leitura me ocupou, provocou-me a sensação do cinema, com a vantagem de participar, embora passivamente, no cenário! Mas sou suspeita, pois este é um dos meus escritores favoritos!

17/02/2010

PROTÁGORAS E O DISCÍPULO

Conta-se que Protágoras, sofista notável, admitiu na sua escola o jovem Enatlus. E como este fosse pobre, firmou com o mestre um contrato: pagaria as lições quando ganhasse a primeira causa.
Terminado o curso, Enatlus não se dedicou à advocacia e preferiu trabalhar no comércio, carreira que lhe pareceu mais lucrativa.
De quando em vez, Protágoras interpelava o seu ex-discípulo sobre o pagamento das aulas e ouvia como resposta invariável a mesma desculpa:
— Logo que ganhar a primeira causa, mestre! É do nosso contrato!
Não se conformou Protágoras com o adiamento indefinido do pagamento e levou a questão aos tribunais. Queria que o jovem Enatlus fosse obrigado, pela justiça, a efectuar o pagamento da dívida.
Ao ser iniciado o processo perante o tribunal, Protágoras pediu a palavra e assim falou:
— Senhores Juízes! Ou eu ganho ou perco esta questão! Se eu ganhar, o meu ex-discípulo é obrigado a pagar-me, pois a sentença foi a meu favor; se eu perder, o meu ex-discípulo também é obrigado a pagar-me em virtude do nosso contrato, pois ganhou a primeira causa.
— Muito bem! Muito bem! — exclamaram os ouvintes. — De qualquer modo, Protágoras ganha a questão!
Enatlus que era muito talentoso, ao perceber que o seu antigo mestre, queria vencê-lo por um hábil sofisma, pediu também a palavra e disse aos membros do tribunal:
— Senhores juízes! Ou eu perco ou ganho esta questão! Se perder, não sou obrigado a pagar coisa alguma, pois não ganhei a primeira causa; se ganhar também, não sou obrigado a pagar coisa alguma, pois a sentença foi a meu favor!
E dizem que os magistrados ficaram atrapalhados e não souberam lavrar a sentença sobre o caso.
O sofisma de Protágoras consistia no seguinte: quando convinha aos seus interesses, ele fazia valer o contrato, e quando este podia de qualquer forma prejudicá-lo, ele pretendia valer-se da sentença. Do mesmo sofisma, o jovem Enatlus lançou mão com grande habilidade.

(Não sei de onde tirei isto...)

16/02/2010

Nas nuvens


Tantos objectivos que se vão desmontando, substituídos por imprevistos que nos ensinam a viver. Um argumento que podia ser o de qualquer um de nós, com variáveis de espaço e de tempo. 

09/02/2010

Sabedoria popular

Quando enfrentamos situações de extrema pressão, socorremo-nos de todo o tipo de raciocínio lógico que, quando esgotado, nos impele a apelar a forças misteriosas capazes de nos desvendar as estranhas motivações e meandros do pensamento. Precisamos de entender o que existe no subterrâneo do comportamento porque, no fundo, é uma maneira de nos entendermos a nós próprios, enquanto seres em interacção social, e tentarmos aceitar o outro.

Apesar deste esforço, é comum não encontrarmos explicação alguma para certos acontecimentos que nos abalam como tremores de terra inesperados, com réplicas sucessivas, das quais emergem ideias que, associadas gradualmente, acabam por colocar as peças nos sítios certos do labiríntico puzzle por onde vagueia a nossa mente.

A vida ensina-nos a crescer com estes abalos emocionais e a ganhar imunidade suficiente para recuperarmos e nos fortalecermos.

E o que é certo, é que a sabedoria popular, com a sua pragmática perspectiva, acaba por simplificar e dar-nos o consolo necessário para prosseguir e enfrentarmos de novo outros sismos que, aos poucos, passamos a relativizar e a aceitar mais naturalmente, deixando de constituir a grandeza do nosso pensamento e reduzir-se à sua ínfima essência.

É caso, pois, para dizer: cá se fazem, cá se pagam; ou, quando pensamos ter encontrado todas as respostas, a vida encarrrega-se de mudar todas as perguntas; ou ainda, não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe!

Irene Ermida

07/02/2010

Inocuidade



Há momentos em que descobrimos, sem razão aparente e só porque o nosso cérebro tem mesmo de se ocupar com algum pensamento, que há pessoas inócuas… De tão inofensivas que são, transformam-se em indiferentes, como qualquer marco de correio ao lado do qual passamos todos os dias, mas em que já ninguém repara. Não nos fazem mal, mas também não nos fazem bem.
Damos conta que, apesar de serem presença assídua na nossa vida durante anos, podiam ser substituídas por outras, igualmente inócuas. E não faria diferença nenhuma. Ou seja, estão ali por estarem, porque falam, mexem e riem. Tão transparentes que até magoa; tão ocas que até dói; tão fúteis que até ofende… E vamos deixando-as estar, pois, não está na nossa natureza criativa e sumarenta, sacudir o pó de tal ausência de conteúdo.
Felizmente, há o contrário, bem mais raro, é certo, mas que compensa!  Instantes fulgurantes bastam, por vezes, para que um rosto, um olhar, um sorriso, uma palavra, irrompam pelo nosso discernimento adentro e nos provoquem emoções perpétuas e inesquecíveis. Sem esses encontros seríamos nós, igualmente, vazios de sentido.
Seres que irradiam uma energia invisível poderosa, que nos arrancam da mesquinhez e da banalidade e nos catapultam para um horizonte tão extenso e fértil, que nos fazem sentir verdadeiramente substantivos e significantes. E esse universo de sensações intensas perdura e multiplica-se, na consciência plena de que também marcamos a diferença, o que pode, evidentemente, transformar-nos no alvo de sentimentos menos nobres e no centro de situações embaraçosas.
Cabe-nos activar a lucidez e a distância em relação às tentativas de atrofia e asfixiamento do nosso estar, do nosso sentir e do nosso ser, e explorar serenamente os trilhos que nos vão surgindo. E, se no início, é tarefa penosa, acaba por ser, gradualmente, um objectivo tentador e delicioso, que compensa o esforço!

Irene Ermida

06/02/2010

«Começar a acabar»


Um belíssimo texto de Beckett numa interpretação excepcional de João Lagarto.

Como é que ficamos presos pelas palavras? Pela maneira como são escritas, mas sobretudo pela maneira como são ditas! O sentido que lhes conferimos ao interpretá-las subjectivamente e ao dar-lhes corpo e alma! A existir, a alma só existe na forma como se dizem as palavras! Não basta pensá-las e senti-las, é preciso corporizá-las em sons e só assim ganham vida!

A alternância entre o discurso demente e ilógico e o discurso lúcido e verosímil, transporta-nos à dimensão real e fantástica da dimensão do ser humano. E o amor subjacente a tudo, apesar de tudo, numa profundidade plena de sentidos!

Excelente espectáculo!

03/02/2010

Duas interpretações...








L is for the way you look at me

O is for the only one I see

V is very, very extraordinary

E is even more than anyone that you adore and



Love is all that I can give to you

Love is more than just a game for two

Two in love can make it

Take my heart and please don't break it

Love was made for me and you

26/01/2010

Filme «O dia da saia»


Um filme intenso que retrata o meio escolar da sociedade francesa multi-cultural e multi-racial. Uma história que põe a nu, por um lado, a fragilidade de uma professora exposta diariamente a uma tensão desmedida e à qual acaba por sucumbir e, por outro, à indisciplina dos alunos e a tolerância com que é tratada, tudo em nome dos direitos humanos de alguns. Um complexo retrato de uma sociedade sem determinação e sem força, que pode ser qualquer uma!
Uma interpretação de Isabelle Adjani que ficará memorável na sua carreira.

24/01/2010

Inorgânica








inorgânica e homogénea
passou a vida sem chorar
por quem, não sabe
nem porquê

dura e inerte
passou pela vida sem a sonhar

e amorfa permaneceu
nos bastidores de si
sem se pensar

Irene Ermida